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    Carioca Rodrigo Lacerda trocou a história pela literatura

    TERESA CHAVES
    Colaboração para a Folha Online

    29/06/2009 19h46

    Rodrigo Lacerda não pensava em ser escritor. O carioca de 40 anos gostava de trabalhar com edição de textos, atividade que realizava na editora Nova Fronteira. Porém, aos 22 anos, o filho e neto de editores (é filho de Sebastião Lacerda, da Nova Aguilar, e neto de Carlos Lacerda, fundador da Nova Fronteira) decidiu mudar-se para São Paulo a fim de concluir o curso de História na USP (Universidade de São Paulo). Em 1994 decidiu voltar para o trabalho editorial e arrumou um emprego na Edusp (Editora da USP).

    Raimundo Paccó/Folha Imagem
    A estreia de Rodrigo Lacerda como romancista rendeu o prêmio Jabuti
    A estreia de Rodrigo Lacerda como romancista rendeu o prêmio Jabuti

    Ficou por pouco tempo: 1995 foi o ano em que ele selou o destino de sua carreira. Quando se tornou estudante de história, mal sabia ele que suas pesquisas como historiador trariam material não para uma tese ou um livro acadêmico, mas sim para um romance, a novela histórica "O Mistério do Leão Rampante" (Atelier Editorial, 1995). A estreia de Lacerda não poderia ter sido mais auspiciosa, pois o livro recebeu o prêmio Jabuti de Melhor Romance.

    A partir daí, desistiu da história e agarrou-se à literatura. Publicou em sequência "A Dinâmica das Larvas" (Nova Fronteira, 1996), "Fábulas Para o Ano 2000" (Ateliê, 1998), "Tripé" (Ateliê, 1999), "Vista do Rio" (Cosac Naify, 2004). Alguns dizem que nenhum deles superou o romance de estreia; porém, seus dois últimos livros colocaram Lacerda como um dos mais promissores escritores do panorama literário nacional.

    "O Fazedor de Velhos" (Cosac Naify, 2008) foi pensado pelo escritor como um romance juvenil. Observando a filha Clara e pensando nas questões que em breve ela enfrentaria, Lacerda decidiu escrever um livro que falasse sobre dúvidas, encruzilhadas e ternuras da vida. Queria dar conselhos à filha, mas queria que ela o ouvisse. "Conselho é como sol de inverno, ilumina mas não aquece", diz ele em entrevista à Livraria Cultura.

    Escreveu um romance diferente das desilusões que, em sua visão, cercam o mundo adolescente. Um livro sobre escolhas, encanto, esperança. O resultado é tudo isso --só que não se trata de um livro apenas para adolescentes. "O Fazedor de Velhos" conta a história de Pedro, historiador em formação que tem dúvidas sobre a escolha profissional (qualquer semelhança com a história do próprio Lacerda é coincidência? Pode ser que não, mas o escritor não se preocupa em esclarecer). Ele conhece Carlos Nabuco, professor de história da universidade, e vai em busca de conselhos. Nabuco é o "fazedor de velhos" do título, a princípio; mas a palavra "velho" ganha, nas mãos de Lacerda, um outra conotação.

    Num mundo em que a juventude é supervalorizada, o escritor questionou o espaço pejorativo dado à velhice. Para ele, a eterna juventude tem um preço alto demais. Ser jovem significa não acumular experiências, não viver intensamente muitos e muitos dias. É hora, diz ele, de pensar em envelhecer com o sentido de viver mais, de ter lembranças, de rechear um destino. Nabuco representa tudo isso: é aquele que ensina a aproveitar a vida lembrando que a felicidade não é um sentimento constante, que ser um pouco tristes nos ensina a ser mais felizes, que a morte é um elemento presente. Enfim, aproveitar a vida sabendo que o tempo passa. Parece óbvio --mas quanto não se quer, inutilmente, segurar o tempo entre as mãos em concha?

    Aos poucos, pelas mãos de Nabuco, Pedro descobre que não nasceu para ser historiador. Sua vocação é para a ficção, para "olhar o mundo pelos olhos dos outros" --como talvez o próprio Lacerda tenha descoberto. Aprende a aceitar o crescimento, a deixar para trás ilusões como um amor não correspondido e viver com intensidade o que se descortina à sua frente, entre outras coisas, um novo amor. O romance é delicado e intenso, e não fala apenas à Clara ou à sua geração --fala a todos aqueles que um dia saem em busca de si mesmos sabendo que não há encontro, mas que o objetivo é o próprio percurso.

    Lacerda acaba de lançar seu último livro, "Outra Vida" (Alfaguara, 2009). Ao contrário de seus outros romances, este último levou anos para ser gestado, para ser compreendido pelo próprio autor. Para ele, foi o livro que quebrou os paradigmas que ele tinha de si mesmo enquanto escritor. Toda a história se passa na espera por um embarque rodoviário. Às 7h15, um homem, uma mulher e a filha dos dois aguardam um ônibus que os levará da cidade grande de volta para o litoral. Ele quer ir, ela não. Aos poucos, a história da partida se desenrola em flashbacks. São dois personagens sem nome e que exigiram muito do autor em sua construção. Ela é ambiciosa e aproveita a paixão do marido para confiar em si mesma.

    O livro retrata as dúvidas morais cotidianas, um amor à beira da ruína, da humanidade e questionamentos de cada um. O marido não desviou dinheiro público, sequer se apropriou de grandes quantias, mas ainda assim é condenado por aqueles que o cercam. Como condenamos políticos e empresários, mas deixamos passa nossas pequenas corrupções diárias --o sinal fechado que ultrapassamos, um dinheiro para não pagar uma multa, um texto copiado da internet e entregue como trabalho escolar.

    "Outra Vida" é um romance que propõe uma reflexão que vai além do leitor, para se colocar diante da sociedade. E que não deixa de falar de amor. Foi escrito aos poucos, um retrato de todos os dias. Lacerda não queria um julgamento, não procurava moral. E conseguiu mostrar que da vida se vai de mãos vazias --de dinheiro, de tempo-- mas com o corpo repleto de cicatrizes que narram a alma de cada um.

    Fontes: Kick; Travessa; Cultura; UOL; Cosac Naify

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