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    Em novo livro, "Esquimó", Fabrício Corsaletti não separa a poesia da vida

    FABIO VICTOR
    da Folha de S.Paulo

    17/02/2010 07h25

    Solicitado a escolher ele mesmo o local da entrevista sobre seu novo livro, um lugar em que se sentisse bem, Fabrício Corsaletti sugeriu um boteco no bairro da Liberdade. Para reforçar, depois enviou um poema sobre o bar, cuja primeira estrofe diz: "Kintarô é um boteco da Liberdade/ o melhor boteco da Liberdade/ e talvez o melhor boteco do mundo".

    Patricia Stavis/Folha Imagem
    O poeta Fabrício Corsaletti, no bar que escolheu para ser entrevistado, na Liberdade
    O poeta Fabrício Corsaletti, no bar que escolheu para ser entrevistado, na Liberdade

    O poema-tributo não integra "Esquimó", que a Companhia das Letras lança amanhã. Corsaletti o escreveu porque adora o tal bar e as pessoas dali. Minúsculo, com um balcão e duas mesas, é um "izakaya", boteco que serve pequenas porções japonesas (e, no caso, também torresmo), administrado por dois irmãos lutadores de sumô.

    Aos 31 anos, mas já no oitavo livro e com uma bagagem apinhada de resenhas elogiosas, o poeta parece inteiramente adaptado a São Paulo, a metrópole que tateou com assombro ao deixar em 1997 a pequena Santo Anastácio, a 600 km da capital, para estudar letras.

    A memória da província marcou o início na poesia e explodiu no primeiro livro de prosa, "King Kong e Cervejas" (Cia. das Letras, 2008). Antes disso, em 2007, ganhara uma antologia poética, "Estudos Para o Seu Corpo". Em 2009 saiu, pela 34, onde trabalha como editor-assistente, "Golpe de Ar", seu primeiro e urbano romance.

    Corsaletti está mesmo mais urbanizado, mas continua impregnado de Santo Anastácio. Como o Kintarô, "Esquimó" recende ao transitório --um território novo, estrangeiro e cosmopolita, protegido, logo além do balcão, pelo minimalismo e pelo amor aos amigos.

    A melancolia lírica fez a crítica de pronto associá-lo a Bandeira e Drummond. De fato, na adolescência ele leu ambos por dois anos sem parar. Mas a verdadeira revelação, conta, veio antes, ao ler uma antologia de Vinicius de Moraes.

    Vinicius era chamado de "Poetinha", alguém que, ao viver com intensidade a vida de artista, dessacralizou a imagem de poeta, despiu-se da aura romântica. Neste aspecto, Corsaletti é totalmente "Poetinha". Não há fronteira clara entre o que vive e o que escreve; toda matéria íntima vira literatura.

    O escritor é maluco pela atriz francesa Eva Green --a evocação do corpo feminino é outro selo autoral. Assim, fez para ela um poema em "Esquimó", um dos mais divertidos do livro, em que planeja aventuras com ela. Mas isso é brincadeira.

    A vera, Corsaletti é completamente louco pela namorada, a professora de estilismo Mariana Rocha. "Depois da poesia, ela é o acontecimento mais importante de minha vida", diz. Dedica-lhe livros e poemas. Para ela escreveu "Seu nome", que o autor considera o seu melhor poema até hoje.

    Corsaletti anda, faz alguns anos, encantado por Bob Dylan. Estudou inglês para entender as letras. Reunia-se com amigos para traduzir o cantor americano. Eis que Dylan inundou "Esquimó" de referências: "Quinn the Eskimo" é uma música dele, assim como "Everything is Broken", nome do poema de abertura do livro. (O poeta compôs rocks para as bandas Barra Mundo e Portnoy, e fez, em parceria com o pai, dentista e compositor, o hino de Santo Anastácio).

    O apego ao que vive não embota o rigor artístico. Corsaletti acorda cedo para ler e escrever, e escreve todo dia. Para a prosa ("mais lógica e trabalho braçal") é mais rigoroso, acorda às 6h e se concentra. Num caderno, registra tudo que lê em prosa ("de poesia não se lê um livro inteiro") --a soma está em 476 títulos. Adora Rimbaud, Raduan Nassar, Salinger, Cortázar, Faulkner, Angélica Freitas e César Vallejo.

    A todo instante joga fora poemas. "Não tenho nenhum apego emocional aos meus textos, somente quando são bons."

    Entre loas, destoou uma resenha sobre "King Kong e Cervejas", a única que até hoje irritou Fabrício. Em um texto na revista "Sibila", o crítico Rodrigo Gurgel insinuou que o coleguismo era a causa das boas resenhas. A Folha perguntou a Rangel o que ele quis dizer com a insinuação. "Foi retórica. Hoje no Brasil um sujeito vira genial por vários fatores: amizades, contatos, a pessoa certa para fazer a resenha no lugar certo", disse o crítico.

    Autor de algumas das resenhas elogiosas, o professor de literatura da USP Alcides Villaça, que leu a produção de Corsaletti quando ele ainda era seu aluno e o estimulou a seguir, discorda. "Normalmente os jovens expressam de forma direta e prosaica sua experiência de vida, como uma confissão. Ele tem altitude, achou o espaço da sua experiência sem diminui-la nem sobrevalorizá-la."

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