Patricia Highsmith (1921-1995) gostava de ser retratada como na foto abaixo --jovem, bonita e atraente. Eram os anos 40, uma época de efervescência cultural em Nova York, palco perfeito para a texana que desejava se tornar uma escritora famosa e se infiltrava no glamoroso círculo literário da cidade.
Antes que tivesse um fim de vida misterioso, amargo e solitário no autoexílio europeu (sua imagem afinal popularizada), Highsmith sacudiu o mundo da literatura policial, teve quase todas as suas histórias cobiçadas por cineastas e ganhou status de escritora "cult", criando o personagem Ripley, um anti-herói contemporâneo, ambíguo e amoral, que lhe deu fama e dinheiro.
Os bastidores dessa história de sucesso mostram uma mulher reclusa, misantropa, misógina e antissemita. "Também se pode dizer que ela era altamente sexualizada, socialmente inconstante, uma mulher que estava sempre se apaixonando e uma das escritoras mais disciplinadas do mundo", diz a escritora e dramaturga Joan Schenkar, que acaba de lançar nos EUA a sua biografia mais completa, ainda sem previsão de lançamento no Brasil.
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A escritora americana Patricia Highsmith, mestre do gênero policial (1921-1995), em foto tirada na década de 40 |
"The Talented Miss Highsmith" (a talentosa Miss Highsmith, St. Martin's Press, US$ 40, cerca de R$ 72, 704 págs.) mostra a autora como uma personalidade complexa e contraditória, cuja arte foi melhor compreendida fora dos EUA. "A obra dela apresenta a mais completa exploração da culpa na literatura americana. Ela é reconhecida cada vez mais como uma das mais importantes escritoras americanas da segunda metade do século 20", diz a biógrafa.
Highsmith, que era admiradora de Dostoiévski, Kafka e Edgar Allan Poe, começou escrevendo HQs e "pulp fiction". Para muitos, terminou elevando o romance policial ao estatuto de arte. O talento foi reconhecido por Alfred Hitchcock logo no primeiro romance ("Pacto Sinistro", de 1950), que adaptou rapidamente. O livro já trazia uma "folie à deux", a loucura entre dois personagens ligados pelo acaso, pela loucura, pela culpa e por crimes. Essa é a chave de quase todas as suas histórias (foram 22 romances).
Em seguida ela publicou "Carol" (1952), que teve um inesperado e estrondoso sucesso comercial e retratava o romance entre duas mulheres. Um tema problemático para a época e para a autora, que publicou a obra sob pseudônimo. "A mãe e as amantes eram suas maiores inspirações artísticas. E a maioria de seus romances são escritos de um ponto de vista masculino", diz Schenkar.
Editoria de Arte/Folha Imagem | ||
Monte uma estante com obras de Patricia Highsmith
Celebrada sobretudo na Europa (morreu sem ter um editor americano), Highsmith viveu desde os anos 60 no continente, sobretudo na França e na Suíça, onde morreu absolutamente sozinha. Em sua casa mais famosa, perto de Paris, entregou nos anos 70 os rascunhos do terceiro livro da série Ripley (seu personagem mais conhecido) ao jovem diretor Wim Wenders, que o transformou no célebre "O Amigo Americano". Uma das últimas cineastas a procurar Highsmith, nos anos 90, foi Kathryn Bigelow ("charmosa, educada e talentosa", disse Highsmith).
Além dessa rica rede de influências, o livro traz um curioso mapa de Nova York com os lugares onde ela morou e que viraram referências em seus livros, além de traçar um painel das esquisitices da autora, que deixou dezenas de diários --mesmo íntimos, muitos eram dissimulados. "Suas obsessões --amor, objetos, tempo, listas etc.-- se repetiam em todos os aspectos da sua vida e obra", diz Schenkar. "Por causa disso, tive que criar uma forma nova de biografia. Organizei meu livro de acordo com suas obsessões, e não de forma cronológica. Foi a melhor maneira de explorar e de revelar sua arte e sua vida."