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    Fotógrafo Miguel Rio Branco ganha mostra que enfoca mal urbano

    BERNARDO CARVALHO
    DE SÃO PAULO

    01/09/2010 07h03

    Miguel Rio Branco está construindo um labirinto na casa onde mora há dois anos e meio, em Araras (RJ). "É um labirinto de árvores", esclarece o artista e fotógrafo, conhecido pelo universo urbano, sujo e visceral de suas imagens.

    Veja imagens da exposição "Maldicidades - Marco Zero"

    "Não fotografo natureza, não sou um paisagista, estou experimentando, plantando um labirinto", diz, entre as mais de 40 imagens que, captadas desde 1970, retratam detritos urbanos, periferias, prostitutas e marginalizados, e constituem, com mais dois vídeos e uma instalação, a exposição "Maldicidades - Marco Zero", aberta ao público, a partir de hoje, no Museu da Imagem e do Som.

    Divulgação
    A obra "Roupa Ensanguentada", de Miguel Rio Branco
    A obra "Roupa Ensanguentada", de Miguel Rio Branco

    Numa das fotografias, um homem numa favela de Lima, no Peru, segura um jornal onde se lê a manchete: "Murió el cuerpo" (o corpo morreu). O trabalho de Rio Branco sempre privilegiou a carne, o sangue e as vísceras como o lugar da verdade, fosse entre prostitutas, boxeadores ou mendigos, a ponto de a própria câmera dar a impressão de ser feita da mesma matéria viscosa do mundo observado pela membrana orgânica da lente. 'Há seguramente alguma coisa de verdade no corpo, se não a gente não estaria aqui conversando', diz.

    A MATÉRIA EMPOBRECIDA

    A manchete do jornal peruano poderia servir também de marca simbólica para um novo ciclo na obra do artista, em que a verdade do corpo passa a ser projetada na natureza. Rio Branco não fotografa desde 2008, quando fez uma exposição em Tóquio. "Eu me identificava mais com a marginalidade. Tudo ficou violento demais. Passei de uma fase mais ligada à carne para uma coisa talvez mais espiritual. Tem a ver com o que eu vejo. Há um empobrecimento da matéria. E uma questão ligada só ao dinheiro. Um excesso, um consumo desenfreado, o último grito do capitalismo", diz.

    Não é por acaso que o vídeo "Nada Levarei Quando Morrer Aqueles que Mim Deve Cobrarei no Inferno", realizado em 1979 com as prostitutas do Pelourinho, em Salvador, tenha sido selecionado pela 29ª Bienal de São Paulo, que abre no fim do mês com o tema "arte e política". "Não sei se isso que está aí não vai abrir para outra coisa, porque essa porcaria vai toda para o espaço. Ninguém vai conseguir consumir continuamente, sem ter noção de por que está consumindo. As pessoas estão sendo forçadas a consumir, é uma situação fascista. A partir do momento em que a arte vira produto, ela tem que ser chamada de outra coisa, já não pode ser chamada arte", diz. Nesse sentido, o tema põe a própria Bienal em questão. Resta saber até onde.

    FERRARIS

    Na primeira noite de sua visita a São Paulo (onde, em 1980, ele perdeu quase todo o seu arquivo fotográfico num incêndio) para a montagem da exposição no MIS, Rio Branco entrou em pânico com o barulho das ferraris na madrugada diante do hotel. "A ideia da exposição vem da atração do mal nesse espaço urbano gigantesco, mas a violência já não me inspira. Prefiro trabalhar com a natureza. Sempre tive vontade de fazer um trabalho duro sobre São Paulo, mas acabo sempre querendo sair fora antes".

    Nascido em 1946, filho de diplomata, bisneto do barão do Rio Branco e neto do caricaturista J. Carlos, o fotógrafo teve uma formação errática. "A essência da fotografia veio de revistas que eu via na casa dos meus pais, tipo 'Elle' ou 'Playboy'. Houve também um livro que me marcou muito, com as primeiras fotos que os aliados fizeram dos campos de concentração. Havia essa dualidade entre vida e morte. Sempre houve essa ambiguidade entre o bem e o mal no meu trabalho. As mulheres do Pelourinho estão lá cheias de cicatrizes, posando como se fossem modelos."

    Além da Bienal, o vídeo do Pelourinho integra também o pavilhão dedicado ao artista, a ser inaugurado no centro de arte contemporânea de Inhotim (MG). O próprio colecionador e idealizador do centro, Bernardo Paes, deu a ideia do labirinto ao fotógrafo. Em Araras, Rio Branco estava tentando esconder o vizinho atrás de uma cerca viva. 'Foi me dando uma certa experiência. Acabei fazendo um projeto de labirinto de dois andares. Mas não vai para Inhotim, não. Um labirinto por encomenda não é mais um labirinto.'

    MALDICIDADE - MARCO ZERO
    QUANDO De ter. a sáb., das 12h às 19h, dom. e fer., das 11h às 18h
    ONDE MIS (av. Europa, 158, tel. 0/ xx/11/2117-4777)
    QUANTO De R$ 2 a R$ 4 (grátis aos domingos)
    CLASSIFICAÇÃO Não informada

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