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    Filme expõe a Gabriela Mistral que o Chile escondeu

    SYLVIA COLOMBO
    EDITORA DA ILUSTRADA

    01/04/2011 07h30

    Uma mulher séria e aparentemente casta, preocupada com a educação das crianças, sempre usando roupas escuras e poucos sensuais.

    "A imagem que temos no Chile de Gabriela Mistral [1889-1957] é a de uma estátua, uma mulher sem tonalidades, cinza", diz a diretora María Elena Wood, que exibe hoje no festival É Tudo Verdade "Loucasmulheres".

    Pois a cineasta chilena surpreendeu-se quando encontrou, nos EUA, documentos até então não tornados públicos que revelam um quadro diferente da autora de "Poema do Chile" (1967) e única mulher latino-americana a ganhar um prêmio Nobel de Literatura.

    A documentarista lera nos jornais que o legado de Mistral, guardado por sua companheira Doris Dana, morta em 2006, estava então com a sobrinha desta, aguardando para embarcar para o Chile.

    "Eu precisava chegar a eles antes do governo chileno, senão aquilo iria --como de fato foi-- parar num arquivo e ficar lá abandonado", conta Wood.

    Viajou então aos EUA e encontrou a parente de Dana, Doris Atkinson, que lhe deu acesso aos documentos. São centenas de cartas e cadernos, 35 fitas de áudio e vários filmes em 16 milímetros, que trazem os últimos dez anos de vida da poeta.

    Nesse período, Mistral assumiu, ainda que de forma discreta, a relação homossexual com Dana.

    "Foi por causa do fato de ela ter se tornado lésbica que o Chile preferiu engessar sua memória de outro modo. É um país conservador, só hoje o homossexualismo masculino começa a ser assumido, o feminino, nem pensar."

    Divulgação
    A norte-americana Doris Dana e a poeta chilena ganhadora do Nobel Gabriela Mistral, que viveram juntas por dez anos
    A americana Doris Dana e a poeta chilena ganhadora do Nobel Gabriela Mistral, que viveram juntas por dez anos

    Nos registros, Mistral se mostra amorosa com a companheira, ciumenta e sexualmente interessada nela, o que destrói a outra imagem.

    Segundo Wood, os chilenos preferem ver na nova-iorquina Doris Dana, mais de 30 anos mais jovem que a escritora, uma mulher aproveitadora, que a teria seduzido interessada em sua fama.

    Os escritos contam uma história diferente ao revelar Mistral envolvida no jogo de sedução desde o início.

    O relacionamento teria começado em 1948, quando Dana assistiu a uma palestra de Mistral e enviou-lhe uma carta dizendo-se também fã da obra de Thomas Mann.

    Mistral, que recebera o Nobel em 1945, recuperava-se ainda de um duro golpe: o suicídio, no Brasil, de seu sobrinho e filho adotivo, Yin Yin, dois anos antes.

    O rapaz de 18 anos tomou arsênico e morreu nos braços da poeta. Nas caixas achadas agora, há fotos de sua infância e cartas que Mistral escreveu a ele, depois de morto.

    "Mistral nunca se recuperou totalmente e era uma mulher muito sozinha quando encontrou Dana. Viu nela a família que havia perdido."

    As duas viajaram ao México e depois à Europa, até estabelecer-se em Long Island. Há imagens do casal em diferentes países e com amigos.

    Já os filmes mostram parte do dia a dia em Long Island, cenas da infância de Dana e imagens desta no fim da vida, demonstrando sua tentativa --nunca atingida-- de organizar o acervo de Mistral.

    María Elena Wood, que é irmã de Andrés Wood ("Machuca"), estará em São Paulo para o lançamento do filme.

    LOUCASMULHERES
    DIREÇÃO María Elena Wood
    QUANDO hoje, às 21h, no Reserva Cultural, e quinta (7/4), às 13h, no CCBB, em São Paulo; domingo (3/ 4), às 20h, e dia 10/4, às 20h, no CCBB, no Rio
    CLASSIFICAÇÃO 14 anos

    Editoria de Arte/Folhapress

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