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    Disco de Chico e Caetano com trechos censurados pode ser relançado na íntegra

    MARCUS PRETO
    DE SÃO PAULO

    12/09/2012 05h01

    Não houve acordo. Quando, em 1972, Roberto Menescal, então produtor da gravadora Philips, apresentou ao departamento de censura o áudio dos shows que Caetano Veloso e Chico Buarque fizeram juntos, dias antes, na Bahia, ouviu a ordem: essa, essa e essa palavra estão proibidas e têm de ser trocadas.

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    Como fariam para trocar palavras em um material gravado ao vivo? Problema deles. Com elas, as canções não poderiam constar do disco.

    Menescal teve a ideia. Encobrir as "proibidonas", enxertando, em estúdio, palmas e gritos histéricos da plateia.

    Funcionou. O disco foi liberado. Mas, até hoje, 40 anos depois, essa é a única versão disponível no mercado do clássico álbum "Caetano e Chico - Juntos e ao Vivo".

    A Folha teve acesso ao material não adulterado da apresentação --que inclui números completamente inéditos.

    Sozinho, Chico cantava muita coisa da trilha sonora do filme "Quando o Carnaval Chegar", como "Baioque", "Mambembe" e "Caçada".

    E explicava, depois de cantar "Boi Voador Não Pode", que mostraria uma "série de músicas que estou fazendo para uma peça junto com Ruy Guerra, chamada 'Calabar', que trata da invasão holandesa". O LP com tal repertório só sairia no ano seguinte.

    Caetano mostrava as ainda inéditas músicas de "Araçá Azul", seu disco mais experimental até hoje, que também só seria lançado em 1973.

    Estão lá versões pré-natais de "Julia/Moreno" e "Gilberto Misterioso" --essa, com citações psicodélicas de "Samba de uma Nota Só" (Tom Jobim/Newton Mendonça) e "Oriente" (Gilberto Gil). E, em improvável dueto com Chico, "Sugar Cane Fields Forever".

    A Universal, que detém os diretos sobre o material, afirma que está nos planos da gravadora editá-lo. Mas não há datas acertadas.

    As palavras que, aos olhos dos censores, tanto mal poderiam fazer à segurança do país (ou de suas famílias) estavam nas canções de Chico.

    "Partido Alto" dizia: "Jesus Cristo ainda me paga, um dia ainda me explica/ Como é que pôs no mundo esta pouca titica". E "titica" não podia.

    Em "Atrás da Porta", parceria com Francis Hime, o problema estava nos "pelos" de "E me agarrei nos teus cabelos/ Nos teus pelos/ Teu pijama/ Nos teus pés/ Ao pé da cama". Muito sexualizado.

    Escrita com Ruy Guerra, "Bárbara" tinha temática sexual explícita. E a censura achou que isso seria atenuado se a palavra "duas" desaparecesse de "Vamos ceder, enfim, à tentação das nossas bocas cruas/ E mergulhar no poço escuro de nós duas".


    Ouça a versão oficial e a versão original de "Bárbara"

    Ouça

    "'Sacana', de 'Ana de Amsterdam', também não podia", diz Menescal. "Autorizado pelo Chico, fui ao estúdio e, com minha própria voz, troquei a consoante 's' pela 'b'."
    E assim, a tal Ana, que já era "da cama/ Da cana/ Fulana", virou também "bacana".

    No mesmo 1972, os Mutantes usaram recurso parecido para encobrir verso censurado de "A Hora e a Vez do Cabelo Crescer".

    Mas, em vez de mudar a letra, que dizia "o meu cabelo é verde, amarelo, violeta e transparente", encheram o trecho de ruídos.

    "A ideia era mutilar", diz Sérgio Dias. "E mostrar ao público que estava censurada a música que tocávamos ao vivo com a letra certa."

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