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    Rapper Emicida protesta contra personagem do "Zorra Total"

    DE SÃO PAULO

    01/10/2012 20h29

    O rapper paulistano Emicida estava voltando do jantar, no último sábado (29), quando deu de cara com Adelaide, personagem do "Zorra Total", na televisão da van.

    Indignado, publicou uma carta no Facebook sobre a "desvalorização da mulher preta" e a "ditadura eurocêntrica de beleza".

    "Estamos em um momento delicadíssimo na história do Brasil. Discute-se sobre o racismo na obra de Monteiro Lobato, cria-se um plano de prevenção a violência contra a juventude negra, porém um ataque contra a etnia que mais trabalhou por este país passa despercebido desta forma, como uma piada, o mesmo tipo de piada que foi hospedeira durante todos estes séculos da doença que é o racismo", disse.

    Adelaide, interpretada pelo ator Rodrigo Sant'Anna, é uma mulher negra e pobre, que circula pelo corredor do metrô com seu "tablet", pedindo "50 centarru, 25 centarru, dez centarru" aos passageiros. Para viver a personagem, cujo bordão é "a cara da riqueza", o humorista escurece a pele com maquiagem. Ele também usa um nariz falso e uma prótese na boca sem os dentes da frente.

    Recentemente, entrou em cena também Brit Sprite, a filha de Adelaide, vivida pela atriz Isabelle Marques.

    "Deixo aqui meu desprezo a este 'humorista' que aproveita-se da triste situação em que esta sociedade doente colocou nossas mães/irmãs/esposas/amigas. E maior ainda é minha tristeza com nossos irmãos pretos/brancos/índios que não conseguem identificar tamanha violência racial adentrando suas casas", finaliza o rapper. A íntegra da declaração está no final do texto.

    Matheus Cabral/TV Globo
    O ator Rodrigo Sant'anna no papel de Adelaide, do "Zorra Total"
    O ator Rodrigo Sant'anna no papel de Adelaide, do "Zorra Total"

    NA JUSTIÇA

    Emicida não é o único incomodado. ONGs e espectadores denunciaram o programa à Ouvidoria Nacional da Igualdade Racial, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, alegando que o personagem apresenta "estereótipos racistas". As acusações foram levadas à 19ª Promotoria de Investigação Penal, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que está investigando o caso.

    A mobilização, que começou de forma dispersa na internet, ganhou força depois que Humberto Adami, diretor do Iara (Instituto de Advocacia Racial e Ambiental, o mesmo que propôs ações contra a adoção de "Caçadas de Pedrinho" e "Negrinha", de Monteiro Lobato, em que supostamente havia racismo), levantou a questão em seu blog. "A quem o personagem faz rir? Àqueles que não se comovem com o sofrimento e a luta das mulheres negras brasileiras. E que ainda lhe imputam a responsabilidade pela situação de descuido", questionou o advogado em post publicado no fim de julho.

    "O que me chama a atenção é que é o único personagem negro feminino do programa inteiro. Por que tinha que ser desdentada, com o cabelo todo encaracolado, falando errado? E ainda insinuando que a culpada disso tudo é ela mesma?", questionou Adami em entrevista à Folha.

    "Você pode fazer humor de várias formas. Mas não é possível que só exista essa personagem, que é feita usando o 'black-faced', uma forma que causou muita celeuma nos EUA quando os artistas negros eram impedidos de participar das peças de teatro e os atores brancos, então, se pintavam de preto."

    Segundo ele, apesar de o personagem fazer sucesso --há diversos perfis falsos de Adelaide no Facebook e dezenas de vídeos do quadro replicados no YouTube--, não há como justificá-lo por meio do debate da "liberdade de expressão, censura e liberdade artística". "Eu queria ver ele fazer um [personagem] judeu. Logo a comunidade judaica iria se rebelar", compara. "O negro, não, todo mundo acha que pode achincalhar à vontade."

    O objetivo de Adami é reunir a maior quantidade possível de procurações feitas por entidades de mulheres e do movimento negro de todo o país para mover, então, uma ação de dano moral coletivo contra a Rede Globo e os patrocinadores do programa "Zorra Total".

    Segundo ele, um advogado no Paraná já entrou com uma ação contra a emissora.

    "O humorístico 'Zorra Total' é notadamente uma obra de ficção, cuja criação artística está amparada na liberdade de expressão. A personagem Adelaide é uma brincadeira inspirada inclusive na avó de seu intérprete e criador", declarou a Central Globo de Comunicação na tarde desta terça. (MAYRA MALDJIAN)

    Veja vídeo

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    EMICIDA SOBRE ADELAIDE, DO "ZORRA TOTAL"

    "Voltei do jantar agora à noite e a van, dessas moderninhas que tem televisão e tudo mais, estava transmitindo 'Zorra Total'. Já havia visto uma vez alguma manifestação, talvez através do Geledés, que aquele personagem que estereotipa a mulher negra suburbana era extremamente racista e contribuía fortemente com a desvalorização (maior ainda?!) da mulher preta em nossa sociedade ( e olha que é difícil conseguir desvalorizar mais ainda a mulher negra em nossa sociedade ).

    Elas recebem menos, tem suas características físicas criminalizadas por uma ditadura eurocêntrica de beleza (isso se aplica aos homens pretos também), são abandonadas, representam uma porcentagem monstruosa das adolescentes grávidas e das mães solteiras, das que não conseguem um (bom) emprego e quando conseguem retornam cansadas ao sábado a noite para suas humildes casas para ser alvo de um quadro extremamente racista onde são humilhadas por um programa de humor (que nem engraçado é pra começar, 'Zorra Total' é ruim pra c****) no maior canal de televisão do país.

    Estamos em um momento delicadíssimo na história do Brasil. Discute-se sobre o racismo na obra de Monteiro Lobato, cria-se um plano de prevenção a violência contra a juventude negra, porém um ataque contra a etnia que mais trabalhou por este país passa despercebido desta forma, como uma piada, o mesmo tipo de piada que foi hospedeira durante todos estes séculos da doença que é o racismo (e só o dono da dor sabe o quanto dói), em um Brasil que tornou crime o racismo (vitória!) mas conseguiu humilhar cada um dos que um dia tentaram denunciar algum caso de discriminação racial (derrota!) tornando sua própria lei, uma irônica punhalada que faz o sangue preto rico em sofrimento continuar correndo invisível por nossas ruas.

    Deixo aqui meu desprezo a este 'humorista' que aproveita-se da triste situação em que esta sociedade doente colocou nossas mães/irmãs/esposas/amigas. E maior ainda é minha tristeza com nossos irmãos pretos/brancos/índios que não conseguem identificar tamanha violência racial adentrando suas casas.

    Muita força às mulheres pretas, as nossas lindas mulheres pretas!

    Jamais se esqueçam de onde vem os diamantes mulheres pretas!

    Emicida

    A rua é nóiz"

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