• Ilustrada

    Monday, 13-May-2024 10:59:55 -03

    Diretor enfrenta a própria família pela trama de 'Barbara'

    RODRIGO SALEM
    DE SÃO PAULO

    11/01/2013 06h00

    O diretor alemão Christian Petzold, 52, um dos nomes mais interessantes da filmografia germânica nos últimos anos, nunca teve o menor interesse por filmes históricos.

    Considerava as produções muito teatrais. E, como cineasta conhecido pelo realismo, nunca foi atraído pelo gênero.

    Até rodar "Barbara", um filme de época que desmonta qualquer ideia de filme de época e lhe rendeu o Urso de Prata do Festival de Berlim do ano passado.

    Divulgação
    Nina Hoss em cena do filme "Barbara", de Christian Petzhold
    Nina Hoss em cena do filme "Barbara", de Christian Petzhold

    O drama, ao contrário da grande maioria dos representantes do gênero, não se preocupa em mastigar as informações para situar o espectador em determinado momento temporal.

    Os detalhes tratam de informar: ele é sobre uma médica (Nina Hoss) que tenta fugir da Alemanha Oriental durante o regime comunista dos anos 1980.

    Como punição, Barbara é jogada em um pequeno hospital de um vilarejo às margens do Mar Báltico.

    "É um período tão próximo e, ao mesmo tempo, tão distante. É como um sonho de que você não consegue se lembrar ao acordar", filosofa o diretor ao falar sobre 1980, quando a Alemanha era dividida em duas -a comunista República Democrática Alemã (RDA), no leste, e a capitalista República Federal da Alemanha (RFA), no oeste.

    "As pessoas que cresceram na Alemanha Oriental acham que suas vidas eram como sonhos ruins e tediosos; então, elas tentam escondê-las. Mas há histórias interessantes por aí."

    Uma delas é a da própria família de Petzold. Sua mãe fugiu do regime comunista quando estava grávida dele e se estabeleceu com o marido no ocidente.

    Mas os pais não falavam sobre o passado para o filho, até o governo socialista, durante a década de 1980, conceder três semanas de livre passagem para "estrangeiros" com parentes no lado oriental.

    FÉRIAS ORIENTAIS

    "Meus pais não mencionavam nada sobre esse passado na RDA, mas, durante o trabalho no roteiro, comecei a lembrar de várias coisas da minha infância, principalmente das férias, quando íamos para o outro lado no verão", recorda-se o cineasta. "No fundo, meus pais eram socialistas decepcionados."

    A infância contrastante entre o dia a dia consumista e as férias com os parentes mais humildes tem influência direta em "Barbara".

    Petzold preocupa-se em não demonizar os cidadãos no regime socialista e separá-los do regime imposto pela União Soviética após o fim da Segunda Guerra Mundial.

    "Eu usava meus jeans e bebia Coca-Cola. Era tão sedutor ser um jovem exibido. Hoje, me sinto envergonhado e mostro isso no filme, principalmente na cena do hotel", conta o diretor, referindo-se à sequência em que Barbara consegue folga do hospital para encontrar o amante em um hotel de luxo usado por visitantes do lado ocidental.

    BRIGA ENTRE IRMÃOS

    "Barbara" é levado como uma experiência de tensão cinematográfica e construção íntima de personagem.

    Não faz uso de trilha sonora ("Queria reproduzir os sons da Alemanha Oriental", fala o diretor) e a médica vive em um estado de observação constante por possíveis espiões e falsos colegas.

    A trama intensa repercutiu mal até entre a família de Petzold. Enquanto a mãe do diretor aprovou o retrato do filho da opressão, seus irmãos mais novos, nascidos na Alemanha capitalista e sem grandes lembranças das férias, chamaram o cineasta de mentiroso.

    "Eles são muito ocidentais. Odiavam as férias na RDA e acham que era um país chato e povoado por pessoas feias", brinca o alemão. "Acho que eles querem ter uma identidade própria, não era um bom momento para ser filhos de refugiados."

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024