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    Sem monitoramento, arte cada vez mais vira mercadoria

    ROBIN POGREBIN
    KEVIN FLYNN
    DO "NEW YORK TIMES"

    04/02/2013 10h41

    Centenas de milhões de dólares serão gastos em transações opacas e com pouco monitoramento externo quando, em poucas semanas, começar a temporada dos leilões de arte em Nova York.

    Repetirão-se os primeiros lances fictícios nos grandes leilões -cifras tiradas do nada pelo leiloeiro para estimular outros lances. Já as galerias continuarão ignorando impunemente uma lei de 42 anos atrás que as obriga a divulgar os preços.

    As vendas de arte em leilões e em galerias de Nova York são estimadas em US$ 8 bilhões por ano. Muitos no mundo da arte insistem que não é necessário mais escrutínio sobre um mercado que motiva poucas queixas de consumidores e que é vital para a economia nova-iorquina. Mas outros veteranos do negócio dizem que o monitoramento não acompanhou o fato de a arte ser cada vez mais tratada como mercadoria.

    "O mundo da arte parece o mercado de capitais privados dos anos 1980 e os fundos 'hedge' dos anos 1990", disse o colecionador e financista James R. Hedges 4°. "Ele praticamente não tem supervisão nem regulamentação."

    Há duas décadas, alguns parlamentares estaduais de Nova York tentam restringir os "lances do candelabro", uma espécie de teatro do mercado de arte, em que os leiloeiros iniciam uma venda fingindo localizar lances na sala. Na realidade, os leiloeiros muitas vezes estão só apontando para as luminárias.

    "Chegou a hora de acabar com essa ficção de que há interessados reais", disse o galerista David Nash.

    Há quem considere que, diante do dinheiro envolvido e do número de compradores, regras mais rígidas são uma necessidade.

    Mas as iniciativas do Legislativo estadual para proibir essa prática fracassaram. A lei diz que os leiloeiros podem anunciar lances falsos desde que eles parem antes de alcançar o preço de reserva do lote, ou seja, a quantia mínima confidencial que o vendedor se dispôs a aceitar.

    Os leiloeiros dizem que as maiores críticas às suas práticas partem dos galeristas, seus rivais nas vendas -a quem acusam de operar sem supervisão. "Os marchands não são nada regulamentados", disse Patricia Hambrecht, diretora de desenvolvimento de negócios da casa de leilões Phillips.

    As percepções do mercado de arte como um jogo para iniciados deriva de recentes processos judiciais contra galerias, incluindo três movidos por colecionadores que acusavam de fraude a já extinta Knoedler & Company.

    Talvez nada ilustre melhor o "laissez-faire" no mercado de arte do que a forma como as galerias burlam a lei do "preço verdadeiro" vigente na cidade de Nova York. A lei diz que itens à venda devem ter uma etiqueta de preço bem à mostra.

    Nenhuma das dez galerias visitadas pela reportagem em janeiro tinha preços expostos, embora algumas apresentassem listas de preços quando solicitadas. Em 1988, autoridades puniram galerias que não expunham preços, mas isso não parece ter se repetido nos últimos anos.

    Os marchands dizem que expor os preços de obras valiosas em uma galeria aberta ao público gera preocupações de segurança e atrapalha a estética das exposições, por transformar as obras em mercadorias. "Consideramos brega fazer isso", disse o marchand veterano ichard Feigen.

    As galerias, segundo especialistas, costumam escolher para quem vão vender e favorecem os bons clientes, especialmente aqueles que vão dar prestígio a um artista no mercado se possuírem uma obra sua.

    No entanto, quando marchands são consultados sobre o que é preciso policiar melhor no mercado de arte, muitos mencionam as garantias de terceiros em leilões.

    A garantia de terceiros opera da seguinte maneira: quando uma pessoa leva uma obra a leilão, a casa garante que o vendedor receberá uma quantia mínima.

    Essa quantia mínima é garantida por um terceiro, cujo nome não é divulgado, que se compromete a pagar aquele valor, também desconhecido pelo público, se o leilão não chegar a ultrapassá-lo. Por assumir esse risco, o garantidor ganha comissões caso o preço da obra atinja qualquer valor acima do que ele pagaria.

    Críticos argumentam que quem oferece garantias tem um interesse escuso no resultado e uma vantagem invisível em relação a outros interessados, porque um comprador que deseje a obra pode acabar competindo contra alguém que só quer elevar o preço para aumentar sua comissão.

    Na Christie's e na Phillips, duas grandes casas de leilões, mesmo que a pessoa que fez a garantia acabe adquirindo a obra, ele vai pagar menos do que outro interessado pagaria.

    Por exemplo: se um lance de US$ 12 milhões dado pela garantia for o vencedor, ele não vai pagar essa quantia, pois terá direito à comissão -chamada de taxa de financiamento- de tudo o que superar a garantia de, digamos, US$ 10 milhões.

    "Se o preço não é o preço porque o garantidor terá um desconto, não há mais transparência no mercado", disse Michael Moses, professor aposentado da Universidade de Nova York e dono de uma empresa, a Beautiful Asset Advisors, que monitora o mercado de arte.

    Em 1991, quando era parlamentar estadual em Nova York, Richard Brodsky apresentou um projeto que proibia o "lance do candelabro". A agência de direitos do consumidor lhe deu apoio, dizendo que a prática pode inflar preços ao induzir "interessados incautos a pensar que estão competindo contra outros potenciais
    compradores".

    Mas os leiloeiros dizem que o "lance do candelabro" é necessário para manter a reserva secreta e proteger o vendedor. Sem ele, afirmam, os lances acabariam começando no preço de reserva, telegrafando o valor mínimo que o vendedor aceitaria.

    A Christie's e a Sotheby's contrataram Stanley Frank, influente ex-presidente da Assembleia Legislativa, como lobista, e o projeto ainda não se tornou lei. Mas seu mais recente patrocinador no Senado estadual, Daniel Squadron, não perdeu a esperança de aprovar o projeto.

    "A necessidade de confiar na credibilidade de um leilão é tão real quanto era há 20 anos", disse.

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