Supercampeã de vendas de livros, uma espécie de diva da autoajuda psiquiátrica, a médica Ana Beatriz Barbosa Silva é autora de obras que caíram no gosto da classe média, como "Corações Descontrolados" e "Mentes Ansiosas", ambos editados pelo selo Fontanar, do grupo editorial Objetiva.
Outro lado: Advogado da autora diz que é coincidência
Avaliações do mercado livreiro dão conta de que essas obras venderam, respectivamente, 50 mil e 200 mil exemplares. Pois dois psiquiatras acusam as obras de Ana Beatriz de serem "plágios estarrecedores".
O advogado Sydney Limeira Sanches, que representa a parte acusada, rebate: "Não reconhecemos nenhuma violação de direitos autorais".
O próximo passo dessa guerra será dado na semana que vem, quando a médica psiquiatra Ana Carolina Barcelos Cavalcante Vieira promete entrar na Justiça com ação de indenização por danos morais e materiais contra Ana Beatriz e a Objetiva.
Ana Carolina diz que, lendo o livro "Corações Descontrolados", constatou, "estupefata", que um capítulo que havia escrito a pedido da própria Ana Beatriz fora editado "sem qualquer crédito".
Ela também acusa Ana Beatriz de ter reproduzido, em "várias e várias passagens", trechos de outros textos de sua autoria, inclusive um que escreveu e publicou no site da clínica Medicina do Comportamento (www.medicinadocomportamento.com.br ). A clínica pertence a Ana Beatriz e nela Ana Carolina trabalhou como pesquisadora.
Avisados da queixa de Ana Carolina em novembro de 2012, Ana Beatriz e a Objetiva tomaram providências rápidas: substituíram os trechos contestados e providenciaram uma segunda tiragem de "Corações Descontrolados". Saiu no mês passado.
Segundo o advogado José de Araújo Novaes Neto, que representa os dois acusadores de Ana Beatriz, a tentativa de "emendar" o livro não reparou o problema: "Eles não fizeram uma errata, não notificaram os leitores. Para piorar, os textos de substituição são simples camuflagens para mascarar ainda mais o evidente plágio cometido".
"LIVRO IGUAL"
A acusação de Ana Carolina soma-se à do médico Tito Paes de Barros Neto, pesquisador do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, autor do livro "Sem Medo de Ter Medo" (Casa do Psicólogo, 2000). Segundo Barros Neto, no início de 2012, uma amiga procurou-o para dizer que tinha lido um livro "igual" ao dele.
O pesquisador começou sua busca pela obra "igual" até que topou com "Mentes Ansiosas", de Ana Beatriz (2011). "Tomei um susto. O plágio era muito cara de pau. Ela fez simplesmente um 'copy-paste' [copia e cola]."
Em outubro passado, o juiz Fernando Bonfietti Izidoro, depois de analisar o livro de Barros Neto e de confrontá-lo com o de Ana Beatriz ("Mentes Ansiosas"), decidiu liminarmente suspender a comercialização deste último.
Assim o juiz explicou o porquê: "A análise das duas obras revela semelhanças notórias, sendo que ambas apresentam diversos excertos longos com praticamente o mesmo conteúdo, simplesmente com alterações no estilo da escrita". "Mentes Ansiosas" foi retirado do mercado.
A propositura da ação do médico Barros Neto contra a psiquiatra Ana Beatriz e a editora Objetiva inclui 53 páginas de reproduções de textos, a título de provar o plágio. Ainda não foi julgado o mérito.
CAMINHO DAS ÍNDIAS
A psiquiatra surge com frequência na imprensa (já deu entrevistas inclusive à Folha) e na televisão. Chegou a aparecer, falando de bullying, em um capítulo da novela "Caminho das Índias", da amiga Gloria Perez, em 2009. Nesse folhetim, ela também atuou como consultora, tendo ajudado a construir uma personagem psicopata (Yvone).
"Autora com mais de 1 milhão de livros vendidos", conforme afirma em seu site, a psiquiatra foi ao "Programa do Jô" (Globo), ao "Marília Gabriela Entrevista" (GNT), ao "Mais Você", de Ana Maria Braga, e ao "Altas Horas" (ambos na Globo). No último fim de semana, estava no "Domingão do Faustão" (Globo), participando do quadro "Divã". "A Ana Beatriz já é nossa sócia aqui", disse Faustão ao apresentá-la.
Em uma entrevista publicada pela "Veja" em 2009, Ana Beatriz disse sofrer de transtorno do déficit de atenção (TDA), que combateu em um primeiro momento à base de remédios.
"Usei a medicação por cinco anos consecutivos. Hoje, quando escrevo um livro, volto a tomá-la no último mês. É a hora em que junto todas as informações e preciso ter mais senso crítico", disse ela.
"Que tipo de senso crítico é esse?", pergunta-se Barros Neto. "Senti-me indignado, com raiva. Queria que ela fosse em cana por não conseguir minimamente seguir as normas, as leis, as regras. Ela burlou tudo", disse ele.
TRECHOS
Abaixo, compare passagens dos livros de Ana Beatriz Barbosa com textos de outros dois médicos:
"SEM MEDO DE TER MEDO", de Tito Paes de Barros Neto
Páginas 11-12
"Era o verão de 1992 e ainda me lembro bem da ocasião. Sentado à mesa de um café estávamos eu, meu irmão, minha cunhada e mais alguns amigos. A Noite estava agradável (...)
Eu não seria capaz de descrever exatamente como tudo começou (...)
Uma mulher entrou no café dirigindo-se à mesa ao lado da nossa. Minha cunhada, que estava de mãos dadas com meu irmão, arregalou os olhos (...). Meu irmão, que já sabia do pavor que ela tinha de pequenos animais, e alito com a situação, perguntava insistentemente: ªOnde está? Fala. Mostra pra mim. Onde está o bicho?º; Petrificada, minha cunhada não conseguia balbuciar sequer uma palavra; ou mesmo apontar. Essa mulher, ao entrar no café, sem se dar conta, tinha por companhia uma barata, bem próxima ao seu ombro direito (...). Foi nesse exato momento que a barata resolveu, por assim dizer, fazer uma baldeação, enroscando-se nos cabelos da outra.
(...) Foi uma gritaria só, com ela se debatendo e frisando freneticamente os cabelos para tentar se livrar do inseto (...). Boa barte das pessoas foi parar na escada (...) esmaguei-a com o pé. Como recompensa recebi uma salva de palmas (...)
Quando me recordo dessa história, não consigo deixar de achá-la engraçada. Por outro lado, posso imaginar o quão aflitivo foi o episódio para minha cunhada (...). O que mais me intrigou, entretanto, foi a intensidade da reação de algumas pessoas, o pavor que as assolou (...).
Todos nós sabemos que baratas são insetos repugnantes, mas que não põem em risco a vida de ninguém (...)."
"MENTES ANSIOSAS", de Ana Beatriz Barbosa Silva
Páginas 13-14-15
"Era junho de 1999 e ainda me lembro da situação (...) Sentados à mesa de um agradável café em Ipanema, estávamos eu, meu marido, minha cunhada e um casal de amigos muito queridoº.
O final de tarde estava extremamente agradável (...)
Até hoje não sou capaz de descrever exatamente como tudo começou (...)
(...) o garçom se aproximou da mesa ao nosso lado e minha amiga Lena, que estava de mãos dadas com o marido João, arregalou os olhos, subiu na própria cadeira e, petrificada, pálida e com as mãos trêmulas, tentava sufocar o grito (...)
João, que tinha vasto conhecimento do pavor que sua mulher tinha por insetos, e totalmente aflito com a situação, perguntava insistentemente: ªCadê? Onde ela está? Não estou vendo, me mostre...º Totalemente paralisada, Lena não conseguia juntar ªa com bº (...)
O garçom nem se dera conta de estar carregando, em seu ombro esquerdo, uma barata (...)
(...) o inseto resolveu fazer um voo social pelo ambiente, indo parar no cabelo de uma pobre senhora (...)
(...) gritava, debatia-se e alvoroçava os cabelos de forma frenética, tentando se livrar daquele bicho (...).
A gritaria se generalizou, cadeiras caíram (...)
A maioria das pessoas foi parar na calçada (...) De súbito, uma pisada certeira (...) novamente, e João recebeu uma salva de palmas, (...)
É claro que, ao recordar desta história me pego dando boas e gostosas risadas. Por outro lado, fico perplexa e bastante intrigada com o tamanho e a intensidade da reação que algumas pessoas tiveram naquele dia. Não era um simples medo ou nojo daquele inseto: era pavor, terror mesmo(...)
Reconheço que as baratas são verdadeiras pragas, insetos asquerosos e repugnantes (...) são incapazes de nos devorar feito feras famintas."
*
"PERSONALIDADE E SEUS CONSTITUINTES", texto de Ana Carolina Barcelos Cavalcante Vieira, enviado em 05/12/2010 para Ana Beatriz
O caráter, por sua vez, constitui a parte da personalidade moldada pelo aprendizado social, cultural e eventos da vida significativos. Dessa maneira, irmãos gêmeos idênticos, ou seja, com a mesma genética, criados em ambientes distintos podem ter personalidades diferentes. Digamos que um deles tenha sido criado por uma família com bom nível socio-econômico, onde os variados papéis (de pai, mãe e filhos) são bem definidos e não tenha sofrido maus tratos e o outro tenha sido dirigido a uma família em que os pais mudavam muito de emprego e de cidade e tenha sido abusado por um vizinho: fica claro que eles não poderiam reagir da mesma maneira perante o mundo, apesar das semelhanças.
"CORAÇÕES DESCONTROLADOS", de Ana Beatriz Barbosa Silva, 1ª tiragem
O caráter, por sua vez, constitui a parte da personalidade moldada pelo aprendizado social, cultural e por acontecimentos vitais marcantes. Como exemplo cito o caso de irmãos gêmeos idênticos, ou seja, com a mesma genética, que viveram em ambientes distintos. Digamos que um deles foi sido criado por uma família de bom nível socioeconômico, não sofreu maus tratos e os papéis (pai, mãe e filhos) eram bem definidos; enquanto o outro cresceu em uma família desestruturada e foi abusado sexualmente por um vizinho. Apesar das semelhanças biológicas (mesma genética), cada um desses irmãos tenderá a reagir de forma diversa frente às adversidades ou alegrias da vida. Sendo assim, apresentarão personalidades bem diferentes.
*
"TRATAMENTO DE PACIENTES COM TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE", texto de Ana Carolina Barcelos Cavalcante Vieira, enviado em 07/05/2012 para Ana Beatriz
É muito comum as famílias se mobilizarem no cuidado do paciente borderline, providenciando suas internações, procurando sucessivamente médicos e terapeutas, observando de perto seu comportamento em relação a uso de drogas e medicações, promiscuidade sexual e automutilação. Da mesma forma, a paciente também se queixa bastante das atitudes extremadas de seus familiares, o que pode ou não corresponder à realidade. Por isso, no início do tratamento, é recomendável que os familiares mais próximos sejam sempre convidados a participar das consultas médicas, tanto para eles se inteirarem dos termos do acompanhamento cllínico, como para o médico avaliar melhor a dinâmica familiar.
"CORAÇÕES DESCONTROLADOS", de Ana Beatriz Barbosa Silva, 1ª tiragem
É muito comum as famílias se mobilizarem no cuidado do paciente borderline, providenciando suas internações; procurando sucessivamente médicos e terapeutas; observando seu comportamento de perto em relação ao uso de drogas e medicações, à promiscuidade sexual e às automutilação. Da mesma forma, o paciente também se queixa bastante das atitudes extremadas de seus familiares, que podem ou não corresponder à realidade. Por isso, no início do tratamento, é recomendável que os familiares mais próximos sejam sempre convidados a participar das consultas médicas, tanto para eles se inteirarem da conduta terapêutica a ser seguida quanto para o médico avaliar melhor a dinâmica familiar.