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    Escritor argentino Alan Pauls lança olhar afetivo sobre praias

    SYLVIA COLOMBO
    DE BUENOS AIRES

    09/03/2013 03h28

    Rio de Janeiro, julho de 1970. Ao lado do pai e do irmãozinho, um menino argentino, loiro e de 11 anos de idade, caminha extasiado pelas areias de Copacabana. Em sua primeira viagem internacional, o garoto faz comparações entre a vida em seu país austral e a de seu vizinho tropical.

    "O branco lunar da minha pele, minha absoluta falta de ritmo, o efeito da inibição que me causava estar encurralado em uma língua estrangeira, meu medo doentio dos ladrões, tema de conversa quase exclusivo, naqueles anos, nas agências de viagens portenhas." Assim se descreve Alan Pauls, hoje aos 53 e com os cabelos agora grisalhos.

    "A Vida Descalço" (Cosac Naify) é uma espécie de ensaio autobiográfico que gira em torno de um elemento pouco literário, a praia.

    Mariana Eliano/Folhapress
    O escritor argentino Alan Pauls, que lança "A Vida Descalço", em Buenos Aires, em 2011
    O escritor argentino Alan Pauls, que lança "A Vida Descalço", em Buenos Aires, em 2011

    "O cinema sempre teve mais relação com a praia do que a literatura. Não se trata de um lugar associado à vida intelectual, mas isso é só uma aparência. Quando vamos à praia, buscamos algo de primitivo sobre como o mundo era antes de tudo", diz Pauls em entrevista à Folha, num café de Buenos Aires.

    O livro remonta sua infância ao lado do pai, que define como "um fundamentalista da praia" e que, nas férias, despertava os filhos de manhã cedinho para levá-los a tomar sol e a nadar até o começo da noite.

    "Nós torrávamos no sol numa época pré-protetor em que ninguém tinha medo de câncer de pele e todos tinham como objetivo queimar-se até descascar. Era o espírito daquele tempo."

    Também são reconstruídos os balneários argentinos tradicionais de então, como a Villa Gesell, fundada por um imigrante alemão, com suas doceiras típicas, arquitetura e roupas que evocavam uma Europa gelada, completamente deslocada numa costa argentina ensolarada.

    "Hoje, Gesell perdeu seu encanto e cresceu, rendeu-se à expansão imobiliária, sem planejamento. É um horror, como aconteceu em muitas praias, aqui e no Brasil."

    Já grande, Pauls passou a frequentar Cabo Polonio, na badalada costa uruguaia, praia sem luz e água quente, paraíso de hippies e ricos descolados, mas que tem um lado obscuro, de viciados em drogas e foragidos em geral.

    CORPOS BELOS

    "As pessoas vão à praia buscando coisas distintas, desde aparecer muito até o total anonimato. É lugar da sexualidade e dos corpos belos, também permite uma reflexão sobre as aparências. É impressionante como no Brasil as mulheres que não têm o corpo perfeito não se importam em usar roupa de banho, diferentemente da Argentina e de outros países", compara.

    A praia como lugar de delírio e do absurdo também surge no texto. É o local onde o personagem Meursault, de "O Estrangeiro", de Albert Camus, mata um homem. "É o calor insano, que confunde os sentidos, que faz algo selvagem e incontrolável dentro dele lançar-se para fora", diz.

    No final do ensaio, Pauls rememora o dia em que, doente, não pôde ir à praia. Em casa, afundou-se num livro, primeiro revoltado por não poder aproveitar o sol lá fora; depois, completamente envolvido com a leitura e transportando-se para um "outro mundo".

    Assim, a praia, para Pauls, surge como um lugar de onde se pode partir para outros lugares. "As leituras que fazemos aí são especiais. Foi na praia que conheci Cortázar e me apaixonei pelos seus primeiros livros", lembra.

    Pauls, mais conhecido no Brasil pela adaptação ao cinema de seu romance "O Passado", levado às telas por Hector Babenco, acaba de terminar o terceiro volume da trilogia sobre os anos 1970.

    O primeiro foi sobre as lágrimas, o segundo, sobre o cabelo. Ambos já lançados no Brasil também pela editora Cosac Naify. Já o tema do terceiro é o dinheiro.

    Pauls integra a geração posterior à que viveu diretamente na pele o regime militar. Nesses livros, evoca o período a partir de suas memórias de menino/adolescente e tem um olhar mais oblíquo e menos maniqueísta do que o de autores que vieram antes dele.

    A VIDA DESCALÇO
    AUTOR Alan Pauls
    EDITORA Cosac Naify
    TRADUÇÃO Josely Vianna Baptista
    QUANTO R$ 45 (92 págs.)

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