Cyro Monteiro, que faria cem anos nesta terça-feira (28), é um nome que já não significa nada para as duas últimas gerações de brasileiros --e, sabe-se agora, nem para o ministério e para as secretarias que se dizem da Cultura. Não há no horizonte nenhuma iniciativa oficial para lembrar o grande cantor que ele foi, fundamental para fixar o samba e vários aspectos da nacionalidade. João Gilberto o considera um dos três maiores cantores brasileiros de todos os tempos, sendo Orlando Silva e Lucio Alves os outros dois --estes, aliás, também amplamente ignorados por quem de direito. No Brasil, é preciso enterrar o passado até o último vestígio.
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Sambista Cyro Monteiro (1913-1973), que faria hoje cem anos |
De 1938 até sua morte, em 1973, aos 60 anos, Cyro lançou mais canções "que ficaram" do que muitos cantores de sucesso explosivo, mas efêmero. Foi pela sua voz que o país aprendeu a cantar "Se Acaso Você Chegasse" (Lupicínio Rodrigues-Felisberto Martins, 1938), "Oh! Seu Oscar" (Ataulpho Alves-Wilson Baptista, 1939), "O Bonde São Januário" (idem, 1940), "Beija-me" (Roberto Martins-Mario Rossi, 1943), "Falsa Baiana" (Geraldo Pereira, 1944), "Boogie Woogie na Favela" (Denis Brean, 1947), "Deus Me Perdoe" (Lauro Maia-Humberto Teixeira, 1946) e "Escurinho" (Geraldo Pereira, 1954).
Em 1965, quando sua carreira parecia encaminhar-se para o ocaso, Cyro ganhou de Vinicius de Moraes -seu maior amigo e admirador- e Baden Powell uma série de nove sambas feitos especialmente para ele, cinco dos quais, idem, se incorporaram ao cancioneiro nacional: "Deixa", "Formosa", "Amei Tanto", "O Astronauta" e "Tempo Feliz". E, em 1968, foi Cyro quem apresentou um dos primeiros grandes sambas "modernos" de Cartola: "Tive, Sim". Se não lhe vier à cabeça a melodia de nenhum dos títulos citados, experimente buscá-los no YouTube, e tenha o prazer de descobrir Cyro Monteiro.
Ele foi o mestre do samba sincopado, tingido de romantismo e leve melancolia. A sua parecia a voz do brasileiro remediado, que aguentava trancos e traições, e seguia em frente. Para os que tiveram o privilégio de conhecê-lo, o homem Cyro Monteiro era famoso pela humanidade e consideração, capazes de fazê-lo aderir à tristeza de amigos vascaínos derrotados pelo seu Flamengo e de manter uma conta mensal no pipoqueiro de sua rua para servir pipoca aos meninos da vizinhança.