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    Mostra revê criações de escultor plural Isamu Noguchi

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    11/06/2013 03h43

    Um bombardeio pode ser escultura. Era essa a ideia de Isamu Noguchi, um dos mais radicais escultores do século 20, para transformar em obra plástica sua reação às atrocidades da Segunda Guerra.

    Durante o conflito nos anos 1940, ele pensou em alvejar um terreno com explosivos, como fazia a artilharia aérea, e deixar à mostra as cicatrizes profundas do que chamou de terra torturada.
    Norte-americano filho de pai japonês, Noguchi idealizou o projeto depois de se internar por vontade própria num campo de concentração para japoneses criado pelo governo americano seguindo o ataque a Pearl Harbor.

    "Esse era o meu conceito para rememorar a tragédia da guerra", escreveu Noguchi, morto aos 84, em 1988. "É um ataque. Achei que a máquina da guerra seria a melhor ferramenta para a escultura."

    Divulgação
    Escultura de Isamu Noguchi em mostra do Instituto Tomie Ohtake
    Escultura de Isamu Noguchi em mostra do Instituto Tomie Ohtake

    Mas, na obra desse artista ambíguo, que foi aluno do escultor Constantin Brancusi e depois colaborou com coreógrafos, criando cenários para Martha Graham e Merce Cunningham, há espaço para peças mais sutis, formas fluidas e um questionamento do que seria a escultura.

    Nas obras que estão agora numa mostra do artista no Instituto Tomie Ohtake, é visível o impacto que sofreu ao estudar no ateliê de Brancusi nos anos 1920 --a síntese das formas e o peso equivalente dado à obra e ao espaço ao seu redor, como se a peça dependesse do entorno.

    Também fica claro o distanciamento que tomou da escultura moderna ao adentrar com força no campo do design e flertar com as vanguardas, com obras que parecem materializar no espaço as visões surrealistas de Joan Miró ou Jean Arp.

    Essa visão mais plural da obra de Noguchi encontrou eco no pensamento do arquiteto Buckminster Fuller, que ele conheceu em Nova York.

    Mais tarde, nos anos 1950 e 1960, o artista se aproximou de outros arquitetos e conseguiu construir projetos de praças e jardins, inventando paisagens em larga escala.

    RACIONAL E ZEN

    Em suas maquetes e nas imagens dos projetos construídos, fica clara a tensão entre uma visão racional e construtivista do mundo, com o terreno dominado por formas geométricas, e referências aos jardins japoneses, que mudam com a ação do vento.

    Noguchi, de certa forma, reforça esse contraste entre Ocidente e Oriente. Educado em Paris e vivendo em Nova York, o artista decidiu resgatar sua origem japonesa ao mesmo tempo em que testemunhou a migração do centro da produção visual da Europa para a América.

    Talvez por isso Noguchi não tenha aderido a nenhuma corrente, mas tenha sido crítico a todas. Não entrou de fato na land art, movimento liderado por Robert Smithson e Richard Long com grandes intervenções em paisagens naturais, embora tenha feito projetos parecidos.

    Também resistiu ao que chamou de padronização da linguagem da escultura moderna que via ser ensinada.

    "O fato de nunca se manter na mesma rota por muito tempo talvez o tenha prejudicado", diz Matt Kirsch, curador da mostra em cartaz. "Ele tentou expandir os limites da escultura, mas foi sempre um uma espécie de forasteiro."

    Da mesma forma que jardins japoneses destacam só o topo das pedras enterradas, revelando menos ou mais com o tempo, Noguchi deixou boa parte da base por trás de sua obra incompreendida.

    E descartou fazer qualquer revolução. "Revolução tem de ser contra algo, além de chocante", escreveu em 1960. "Agora, tudo que é mais radical está sendo ensinado como lugar comum na escola."

    Mais de meio século depois, uma de suas questões continua muito atual. "Vencemos a batalha por liberdade de expressão, mas e agora? Devemos nos espreguiçar sob os holofotes, produzir como loucos e ser pagos como homens de negócios?"

    ISAMU NOGUCHI
    QUANDO de ter. a dom., das 11h às 20h; até 28/7
    ONDE Instituto Tomie Ohtake (av. Brig. Faria Lima, 201, tel. 0/xx/11/2245-1900),
    QUANTO grátis

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