Em 1966, "A Religiosa", de Jacques Rivette, foi o que se pode chamar de "filme escândalo": censura, proibição de venda ao exterior, discussão antes de seu lançamento sobre o caráter imoral da obra.
Quase 50 anos depois, "A Religiosa", de Guillaume Nicloux, é apenas o que se pode chamar "filme de prestígio": uma adaptação literária do prestigioso texto escrito por Diderot no século 18 sobre a sorte de moças destinadas à vida monacal, tivessem ou não vocação.
É injusto comparar as versões, mas incontornável. Não se trata de condenar a nova versão: o tempo presente domesticou o cinema, abrandou em muito seu caráter de revelação (e portanto violência).
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A atriz Pauline Etienne em cena do filme 'A Religiosa', de Guillaume Nicloux |
Algumas diferenças são óbvias. Quem der uma passada de olhos pela versão de 1966 partilhará a sensação de enclausuramento de Suzanne Simonin no primeiro convento: o horror está lá. É a prisão --uma sensação não tão clara, bem menos acentuada na versão de 2013.
Num primeiro momento, a jovem Suzanne Simonin, a religiosa, terá a como suporte a afeição e o consolo de Madame de Moni, a superiora. É isso que torna seu destino menos trágico.
De Moni tem a capacidade de fazê-la aceitar seu destino de filha sem dote (se não entrasse para o convento, correria o risco de acabar na mendicância). Depois da morte de Mme. de Moni, uma nova superiora impõe regras mais rígidas: Suzanne sabe que está no inferno.
As diferenças se acentuam na segunda parte da narrativa, quando Suzanne é transferida para um convento menos rígido. Aliás, muito menos rígido na versão Rivette: uma alegre esbórnia, onde não se vê uma freira que não seja lésbica.
A madre superiora comanda o show e parece não sentir culpa ou contradição entre a vida religiosa e a sua vida sexual. Na nova versão, o lesbianismo da abadessa é tão ostensivo quanto, mas vivido como um processo pessoal (e bastante torturado).
Percebe-se já o centro da distância entre a nova e a antiga: na primeira versão o que se observa é da ordem da vida religiosa e, mais amplamente, da forma de sociedade que, no final do século 18 francês, chegava à agonia.
Já a versão nova investe muito mais na psicologia das personagens, por um lado, e nas belezas que a fotografia e a direção de arte podem produzir (além de boas interpretações, em especial a de Pauline Etienne, uma Suzanne menos física do que Anna Karina, mas não menos forte).
Essas diferenças desembocam num final muito mais suave, mais palatável, acomodatício mesmo: não invalida o espetáculo, mas resume bem o espírito do tempo.
A RELIGIOSA
DIREÇÃO Guillaume Nicloux
PRODUÇÃO França/Alemanha/Bélgica, 2013
ONDE Reserva Cultural 1
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO bom