Florence Welch, vocalista da banda Florence and the Machine, são na verdade duas Florences. Uma vestia ontem um vestido de vovó, conversava meio envergonhada, por vezes olhando pro chão, e ficou assustada quando foi avisada, na entrevista com a Folha, de que tocaria para um público de cerca de 85 mil pessoas no Rock in Rio.
A outra é a que comandou essas mesmas 85 mil pessoas num ritual catártico --e sem vergonha nenhuma-- no último show da turnê de seu segundo disco, "Ceremonials". Depois de uma introdução de harpa, que já indicava que o ritual começaria, a cantora inglesa entrou no palco descalça e usando com um vestido vaporoso e transparente, azul e branco. E, com os cabelos ao vento (um vento muito mais natural do que aquele produzido pelos ventiladores de Beyoncé), começou a soltar o vozeirão em "Only if For a Night".
Com o auxílio de um coro, do piano, da harpa e de duas baterias, Florence desfilou pelo show suas músicas grandiosas, com jeito de hinos religiosos. Na música seguinte, "What the Water Gave Me", corria de um lado para o outro do palco e já estava completamente descabelada e suada. Mas, a essa altura, o look da cantora fashionista pouco importava: o público já estava na sua mão.
"Estamos muito felizes por estar aqui hoje. E, em troca, só vamos exigir alguns sacrifícios humanos", disse a cantora, reforçando o clima quase religioso e antes de pedir que as pessoas levantassem aqueles que amam nos ombros, ao som de "Rabbit Heart (Raise it Up)". Então, o sacrifício aconteceu com uma multidão de moças levinhas (muitas delas ruivas como a própria cantora) subindo nos ombros de moços fortinhos (ou nem tanto).
Enquanto isso, Florence desceu para interagir com o público, de quem recebeu oferendas, como flores, tiaras e uma bandeira do Brasil --que transformou em mais uma peça esvoaçante de sua roupa.
Na hora dos hits "You've Got the Love" e "Shake it Out", foi possível ver fãs chorando na grade em frente ao palco. A cada berro potente da cantora (e são muitos), amigos e casais se entreolhavam com cara de "O que está acontecendo aqui?"
Em "Sweet Nothing", Florence promoveu outro rito de sua liturgia pessoal e pediu que as pessoas abraçassem os colegas, apertassem a mão do fã desconhecido ao lado. Promoveu a união dos fãs de bandas diferentes. A catarse coletiva então aconteceu em "Spectrum (Say my Name)". "Ela vai voar", disse uma fã do meu lado esquerdo. "Acho que ela tá é muito chapada", respondeu o amigo. Florence pôs as mãos em torno do microfone como se rezasse. O público pulava sem parar.
Na hora da despedida, Florence andou lentamente em direção ao público, como um anjo, antes de soltar o maior hit da banda "Dog Days Are Over", como se dissesse: "Vão em paz, os dias de cão terminaram".