"Fim", de Fernanda Torres, reescreve "Quadrilha" às avessas. Nos versos de Drummond, João amava Teresa que amava Raimundo etc., até que Lili, que não amava ninguém, se casa com J. Pinto Fernandes --cujo sobrenome burocrático quebra a cadeia, fazendo o encanto naufragar nos protocolos do matrimônio.
Embora não cite Drummond, Fernanda parte daí, da asfixia da vida doméstica e das tentativas de libertação, para escrever um romance em quadros descontínuos.
Trama carioca guia estreia literária de Fernanda Torres
Em cena, há cinco amigos que viveram desvarios na maturidade e que conservam, até o momento final, décadas depois, as nostalgias e as sequelas físicas da dissipação.
Bob Wolfenson/Divulgação | ||
A atriz Fernanda Torres, 48, que lança o romance 'Fim' |
Os capítulos se abrem com a narrativa interior do momento que precede a morte de cada um, seguida de histórias, agora em terceira pessoa, de personagens diretamente tocados (ou mutilados) por eles.
Do velho caquético que vocifera contra a humanidade e a mulher adúltera ao "metrossexual" vítima dos efeitos colaterais do Viagra; do devasso senil que expira na orgia e na droga ao sedutor que leva à loucura a mulher a quem será devotamente infiel, passando pelo pai de família que assume o decoro imposto por sua condição de mulato de classe média, parece que estamos num romance geracional.
Não deixa de ser, mas não o da geração da autora e, sim, o daquela anterior à revolução de costumes dos anos 1960 e 1970 e que, num Rio transformado em Babilônia da contracultura, tentou recuperar o desbunde perdido.
A escrita densa de Fernanda Torres destrincha com sarcasmo os mecanismos mentais desses "Cavaleiros do Apocalipse", que violentam seus valores "burgueses" ao preço do rancor e da crueldade.
"Fim" é um romance sobre a corrida agônica contra o tempo, mas também sobre a ressaca terminal de quem tentou fugir, em descompasso, da "vida besta" de que falava Drummond.
FIM
AUTORA Fernanda Torres
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 34,50 (208 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo