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    Artista que desafiou a ditadura com arte postal expõe em Nova York e escreve livro

    SILAS MARTÍ
    ENVIADO ESPECIAL AO RIO

    07/01/2014 03h01

    Um caixão veio à tona num canal do Recife, e no tampo estava escrita a palavra "arte". Numa ponte, uma fita vermelha estendida de ponta a ponta atrapalhava o trânsito. Nos jornais, classificados anunciavam uma máquina capaz de gravar sonhos.

    Paulo Bruscky era o homem por trás dos estranhos acontecimentos que assombraram a capital pernambucana na década de 1970. E intrigou o mundo com obras que mandou pelo correio.

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    Sem deixar a cidade, o artista fez do Recife o centro do universo, fazendo reverberar nas ruas o último grito da arte conceitual que discutia em sua correspondência com artistas das metrópoles globais, de Nova York a Berlim.

    Muito antes do mangue beat -movimento musical que estourou nos anos 1990, sintetizado pela imagem de uma parabólica enfiada na lama-, Bruscky redesenhava a geografia das artes, sendo ele mesmo uma espécie de antena para irradiar suas ideias da arte do futuro.

    Mas só agora essa obra ancorada no Recife ganha o mundo. Bruscky tem sua primeira individual no exterior, em cartaz até abril no Bronx Museum, em Nova York, e está no centro de uma mostra no Museu de Arte do Rio.

    Também acaba de lançar um livro com todos os seus escritos teóricos. Outro lançamento, do crítico Adolfo Montejo Navas, analisa sua trajetória e reproduz em detalhes quase todos os seus experimentos no campo da arte postal, suas performances com xerox e intervenções que fez em outdoors no Recife.

    Nos anos de maior repressão do regime militar, Bruscky encontrou no correio uma saída para seus desenhos e colagens que questionavam cânones da arte ao mesmo tempo em que denunciavam a brutalidade da ditadura instaurada com o golpe de 1964.

    "Era o único meio incontrolável de comunicação. E a gente foi incorporando novas tecnologias, como o fax, o xerox", lembra Bruscky. "Era a internet antes da internet."

    Em seu livro, Bruscky resume a ideia como a "saída mais viável" para o surgimento de uma arte "antiburguesa, anticomercial e antissistema".

    Mas o sistema atentou para tudo isso, e Bruscky chegou a ser preso três vezes.

    Numa dessas ocasiões, o artista conta que um soldado, intrigado com seus métodos, perguntou se caso ele arrancasse um pedaço do piso e colasse na parede seria ele também visto como artista.

    "Eu respondi: 'Se você colocar, não; se eu colocar, é que é arte'. Passei perto de apanhar", escreveu Bruscky.

    EMBATES SUTIS

    Na opinião de Sergio Bessa, curador da mostra do artista em Nova York, essa atitude de "desmascarar a autoridade" marca seu trabalho.

    "Ele se porta como um homem comum, mas tem certa audácia ao entrar no debate internacional", diz Bessa. "Sua obra não procura temas sublimes. Ele fala das coisas próximas dele, porque o que importava ali era mostrar como viver uma vida feliz diante de um sistema repressivo."

    É o que Montejo Navas chama de "sintonia auditiva com o mundo" na obra do artista.

    Ou seja, da fita vermelha que estendeu numa ponte sem qualquer explicação à encenação do próprio enterro ou a organização de um concerto-happening com caixinhas de fósforo, Bruscky criava embates sutis, tendo o humor como estratégia -a "mordacidade" no lugar de uma "presunçosa elegância".

    POIESIS BRUSCKY
    AUTOR Adolfo Montejo Navas
    EDITORA Cosac Naify
    QUANTO R$ 80 (322 págs.)

    ARTE E MULTIMEIOS
    AUTORES Paulo Bruscky, Cristiana Tejo (org.)
    EDITORA Zoludesign
    QUANTO R$ 50 (276 págs.)

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