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    Primeira fase da carreira de diretor francês Leos Carax chega ao país

    LUCAS NEVES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS

    10/01/2014 03h20

    No princípio era o verbo. O cineasta francês Leos Carax, 53, que intrigou a crítica em 2012 com o óvni "Holy Motors", híbrido de ficção científica e comédia grotesca calcado na pantomima, volta aos cinemas de São Paulo nesta sexta com o prolixo "Boy Meets Girl" (garoto encontra garota).

    Neste seu primeiro longa-metragem, o diretor capta a fala convulsiva de um aspirante a cineasta às voltas com um coração partido e com a iminente apresentação ao Exército. O atraso em relação ao lançamento na França é de 30 anos.

    Para tentar preencher a lacuna, estreia no mesmo dia o filme seguinte de Carax, "Sangue Ruim" (1986), título também inédito em circuito nacional e que ajudou a projetar a inventividade delirante do cineasta.

    Divulgação
    Denis Lavant e Juliette Binoche em cena de "Sangue Ruim"
    Denis Lavant e Juliette Binoche em cena de "Sangue Ruim"

    Em comum com "Motors", a dobradinha tem a estrutura fragmentária e um "self-service" de gêneros -"Boy" casa drama existencialista e metacinema; "Sangue" justapõe distopia futurista, noir, thriller e comédia romântica.

    Mas talvez resida na parceria com o ator Denis Lavant, 52, o trunfo do diretor. Em quatro dos cinco longas de Carax -e do curta "Merde"-, Lavant criou uma galeria de tipos à deriva.

    "Gosto de me colocar a serviço do que é marginal, exagerado, irracional no homem", diz, em encontro com a Folha num café parisiense, o ator recrutado pela primeira vez por Carax quando ainda estudava no conservatório de artes cênicas.

    FUGA DO REAL

    "'Boy' de início não me entusiasmou. Era distante do meu universo, autobiográfico, ancorado no cotidiano da época. Eu fazia teatro para acessar o onírico, montava Shakespeare e peças com figurino de época para fugir da realidade", afirma.

    Lavant tampouco se deixaria seduzir pelos ecos de Nouvelle Vague do roteiro, como a deambulação do protagonista Alex ou a trama repleta de pontas soltas.

    O que o fisgou foram os estalos de lirismo aqui e ali, as vinhetas lúdicas que remetiam à arte mambembe, ao jogo (de cintura) do teatro de rua, seu porto seguro.

    Divulgação
    Lavant e Mireille Perrier em 'Boys Meets Girl', que chega ao Brasil com 30 anos de atraso
    Lavant e Mireille Perrier em 'Boys Meets Girl', que chega ao Brasil com 30 anos de atraso

    "A partir de 'Sangue', sua escrita realça minhas potencialidades. A demanda física se acentua: há cenas em helicóptero, paraquedas, moto. E também um esquete de malabarismo e ilusionismo."

    Tudo sacado da cartola de Carax para contar a errância de outro Alex, cooptado para o roubo de uma cultura de vírus essencial à produção da vacina contra a doença do "sexo sem amor" —aceno à identificação dos primeiros casos de Aids. O protagonista não tarda a cair de amores pela mulher (Juliette Binoche) do capo (Michel Piccoli).

    "Só anos depois [de atuar nesses filmes] fui entendê-los de fato, assimilei sua dimensão de tragédia grega. O que me impressiona é o vanguardismo, a insolência, a capacidade que Leos tem de levar o cinema a extremos", diz.

    No final é o caos.

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