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    Crítica: Novo livro de Le Carré apresenta narrativa irônica e sarcástica

    LUIZ BRAS
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    01/02/2014 03h21

    Cinquenta anos atrás, em plena Guerra Fria, um romance invulgar de espionagem —nada parecido com os de Ian Fleming— tornou-se um best-seller mundial. Mas pelo motivo errado.

    Seu autor era um jovem espião do serviço secreto britânico e isso bastou para que especialistas e o grande público recebessem o livro como documento autêntico.

    Se esse romance sobre uma desastrada operação secreta atrás da Cortina de Ferro não é autêntico no sentido histórico e jornalístico, é bastante autêntico no sentido literário.

    Não há personagens reais em "O Espião que Saiu do Frio". Mas seu forte realismo psicológico confere veracidade a cada manobra do agente Alec Leamas, na Alemanha militarmente divida.

    Leamas é o oposto de James Bond. É o estrategista amargurado que revelou ao leitor de 1963 algo impensável na época: não existem heróis, os paladinos do capitalismo são tão imorais quanto os do comunismo.

    De lá pra cá, o que fez John le Carré? Lançou mais de 20 livros, sendo ao menos outras três obras-primas: "O Espião que Sabia Demais" (1974), "O Alfaiate do Panamá" (1996) e "O Jardineiro Fiel" (2001), que rendeu o belo filme de Fernando Meirelles.

    Porém, Le Carré ainda é visto, para seu desgosto, como "o espião que virou escritor", não como um escritor que passou uma temporada no serviço secreto.

    Com a edição comemorativa, que inclui um prefácio bastante descontraído, a Record lança também "Uma Verdade Delicada".

    O novo romance narra mais uma operação desastrada dos britânicos: a malsucedida captura, em Gibraltar, de um negociante de armas.

    Anos mais tarde, dois participantes do imbróglio, um ex-militar e um ex-diplomata, decidem revelar a verdade. Começa um jogo de gato e rato. A dupla de inconfidentes consegue o apoio de um jovem funcionário do Ministério das Relações Exteriores, mas o trio se vê aprisionado numa traiçoeira teia política.

    As elaboradas cenas de ação e os gadgets tecnológicos são menos importantes que em Ian Fleming e Tom Clancy. A sobrecarga emocional está inteira nos diálogos longos e meticulosos.

    O que mudou na ficção de Le Carré após cinco décadas? Basicamente, a voz narrativa, agora menos impessoal, mais irônica e sarcástica.

    Se as autoridades paranoicas e os complôs disparatados continuam os mesmos, é com a dinamite da zombaria que a voz narrativa segue detonando as certezas morais.

    LUIZ BRAS é autor de "Sozinho no Deserto Extremo" (Prumo).

    O ESPIÃO QUE SAIU DO FRIO
    AUTOR John le Carré
    TRADUÇÃO Adelino Rodrigues
    EDITORA Record
    QUANTO R$ 45 (240 págs.)
    AVALIAÇÃO ótimo

    UMA VERDADE DELICADA
    AUTOR John le Carré
    TRADUÇÃO Heloisa Mourão
    EDITORA Record
    QUANTO R$ 45 (308 págs.)
    AVALIAÇÃO bom

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