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    Versão de Virgínia Lane para a morte de Getúlio Vargas era deliciosa

    RUY CASTRO
    COLUNISTA DA FOLHA

    16/02/2014 03h20

    Na madrugada de 24 de agosto de 1954, o presidente Getúlio Vargas estava na cama em seu quarto, no Palácio do Catete, quando quatro homens embuçados entraram pela janela e o mataram a tiros. Não ria. Com ele, sob os lençóis, estava a vedete Virgínia Lane, com quem Getúlio tinha um caso de amor havia 15 anos. Da entrada dos assassinos pela janela até o fatal tiro no coração, Getúlio teve tempo de tomar importantes providências.

    A primeira foi pedir a Virgínia que jurasse nunca contar a ninguém que ele fora assassinado -juramento que ela só quebrou há pouco. A segunda foi chamar seu guarda-costas Gregório Fortunato, certamente dormindo no aposento ao lado, para que tirasse Virgínia dali. Magicamente, Gregório materializou-se no quarto do presidente e, fiel às ordens do chefe, pegou Virgínia nos braços e a atirou pela janela.

    Virgínia caiu no jardim do palácio, dois andares abaixo -naturalmente, nua, como estava na cama. Tendo completado o serviço, dois dos embuçados também pularam pela janela e, ao passar por Virgínia, ainda tiveram tempo de ofendê-la, dizendo, "Volta agora para o presidente, sua vagabunda". Ato contínuo, Gregório também pulou para o jardim, talvez para perseguir os criminosos pela rua do Catete e adjacências. E só então Virgínia se deu conta de que tinha fraturado um braço, uma perna e quatro costelas.

    Folhapress
    A atriz e vedete do teatro de Revista Virgínia Lane
    A atriz e vedete do teatro de Revista Virgínia Lane

    Esse relato consta de uma entrevista concedida em 2012 por Virgínia à Rádio Globo, fácil de encontrar no YouTube. Seu depoimento altera tudo que os repórteres, historiadores, biógrafos, ensaístas e memorialistas escreveram nos últimos 60 anos sobre a morte de Getúlio. Até então, todos podiam jurar que Getúlio tinha se suicidado. Afinal, foi encontrado morto, ao lado de um revólver fumegante, com uma bala no peito e um buraco no paletó do pijama.

    Se ele foi morto pelos disparos de quatro homens, como disse Virgínia, significa que vários tiros se perderam pelo quarto e apenas um o acertou -alguém deve ter varrido os demais projéteis para debaixo da cama. E por que Getúlio não queria que soubessem que fora assassinado? Porque o povo precisava pensar que ele se matara -e, para tanto, deixara até uma "Carta-Testamento", segundo a qual saía da vida para entrar na história ou vice-versa, o que acontecesse primeiro.

    Pelas declarações de Virgínia, não ficou muito claro o papel de Gregório nesse episódio. Por que ele dera preferência a salvar a vedete e não a defender o presidente? E o que aconteceu aos outros dois homens que ficaram para trás? Aliás, quem eram esses homens? Eram os asseclas de Carlos Lacerda, claro, diz ela. E como Virgínia conseguiu sair do Catete pelada e cheia de fraturas, e tomar um táxi na rua sem ninguém perceber?

    Além de Gregório, estavam em palácio naquela noite Alzirinha, filha de Getúlio, e vários ministros. Era uma noite de grave crise institucional, e se temia até que o presidente renunciasse -ideal, portanto, para brincar de papai-mamãe com a namorada. Mas alguma coisa não deve ter funcionado porque, se Virgínia, no auge de seus 33 aninhos e 1,50 metro, estava gloriosamente nua, Getulio vestia o sólido pijama listrado com que passaria à eternidade.

    A querida Virgínia, que morreu na segunda-feira em Volta Redonda (RJ), aos 93 anos, também passou à eternidade. Primeiro, por sua gravação da marchinha "Saçaricando", de Luiz Antonio, Zé Mario e Oldemar Magalhães, um estouro do Carnaval de 1952. E, depois, por sua deliciosa versão da morte de Getúlio, muito melhor do que a verdadeira, culminando a lenda de um romance que também só existiu na sua imaginação. Getúlio não gostava de baixinhas.

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