As imagens factuais que abrem, encerram e surgem ao longo de "Alemão" evidenciam um dos aspectos essenciais do filme.
Mesmo que um texto posto no início alerte que a trama é uma obra de ficção, o contexto da ação recorre à ancoragem em fatos.
A vantagem disso é atrair o público que acompanhou com sede de sangue o cerco e a invasão do Complexo do Alemão, no Rio, em novembro de 2010, e lançá-lo numa ratoeira na qual a violência é onipresente, mas não espetacularizada como acontece de hábito na TV.
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Caio Blat (esq.), Milhem Cortaz, Marcello Melo Jr. e Otávio Muller |
Logo que se desembaralha da tarefa de representar o lugar factual do confronto entre a lei e o crime, o filme se concentra num porão.
A inteligência do roteiro de Gabriel Martins consiste em armar uma trama de filme de gênero, surrupiada de clássicos cinéfilos de Howard Hawks e John Carpenter, para arrancar seu tema do mundo limitado da realidade e devolvê-lo ao cinema, o lugar da fantasia.
SEM TESE
O recurso ardiloso, por um lado, permite liberar o filme do sobrepeso da mensagem, da necessidade de ser mais uma tese do que um espetáculo, como aconteceu com "Cidade de Deus" e os "Tropa de Elite". Por outro, alivia a produção do encargo de encenar um evento de grandes proporções.
Enquanto conceito, "Alemão" tem, no mínimo, essas qualidades. O problema ocorre, em parte, quando se tenta dar corpo ao conceito, transformar ideias em ato, em suma, filmar.
O talento de José Eduardo Belmonte para fazer os atores perderem seus postos seguros, já demonstrado em seus trabalhos anteriores, aqui nunca sai da caricatura.
Cauã Reymond, Gabriel Braga Nunes e Otávio Müller, por exemplo, ficam sempre nas atuações de cigarro e nas falas entrecortadas por respiração curta. E a participação de Antonio Fagundes seria mais forte se ficasse simbólica, sem nos impor uma constrangedora cena numa igreja e outra de dor.
Por essas e outras, "Alemão" é apenas uma boa ideia que não deu certo. Ciente das insuficiências, alguém ainda decidiu inserir imagens das manifestações de 2013 para nos dizer: "Olhem, é disso que estamos falando!". Seria melhor se desconfiasse do poder do discurso.
ALEMÃO
DIREÇÃO José Eduardo Belmonte
PRODUÇÃO Brasil, 2014
ONDE Anália Franco UCI e circuito
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO regular