Protestos, greves e ocupações se multiplicam, e a Copa está aí na esquina. Como entender o contexto mais amplo desses movimentos e a reação do Estado? O filósofo Paulo Eduardo Arantes oferece sua densa visão em "O Novo Tempo do Mundo", que traz um conjunto de textos que trafegam entre história, política, filosofia e teatro.
Para ele, há um "Himalaia de humilhações ressentidas pelos milhões na fila de espera à boca dos guichês de ingresso num mundo afluente que não para de encolher". Na era do capitalismo turbinado pelas finanças, o Brasil se transformou de economia industrial periférica a plataforma de valorização financeira.
O que exige um "estado de emergência econômica permanente". Por isso, na avaliação de Arantes, é central "o Estado-guardião da renda mínima do capital" e a posse "do aparelho político de acesso, gestão e açambarcamento de recursos num universo discricionário de monopólios, privilégios e compadrios".
Marcelo Justo/Folhapress | ||
O filosofo Paulo Eduardo Arantes, em sua casa, em 2013 |
"Estamos diante de uma máquina infernal de produção de hierarquias e extorsões em todos os recantos de uma sociedade congenitamente regida pelo nexo da violência econômica", resume o autor.
Com essa moldura, Arantes percorre as manifestações de junho, prestes a completar um ano. Na sua definição, os atos foram "profanações cometidas por gente sem nome que não está nem pedindo para sair nem aceitando as porradas da vida".
E o país "não voltará mais a ser o mesmo" depois dos protestos. Avaliando a repressão que houve e a programada para a Copa e a Olimpíada, aponta a existência de "um processo de guerra interna não declarada", e de "criminalização de direitos assegurados pela Constituição".
Combatendo as políticas de segurança, ele afirma que as UPPs no Rio formam "um cinturão de segurança para os megaeventos a caminho". Na estratégia carioca de pacificação enxerga traços da doutrina americana da contrainsurgência, que proliferou aqui a partir dos anos 1960.
O autor não abre espaço para visões róseas: "O empreendedorismo dos pobres não é nenhuma esquina da história nacional, mas uma saída de emergência para o colapso da sociedade salarial no Brasil e no mundo".
O trabalho em tempos de neoliberalismo —"uma verdadeira carnificina"— é objeto de reflexão no ensaio "Sale Boulot". Nele, o filósofo fala do precário emprego.
Crítico ácido das linhas que nortearam os governos FHC e Lula ("Zero à Esquerda", Conrad, 2004), Arantes retoma sua análise provocativa.
No ensaio que dá título ao seu novo livro, o autor observa uma nova era de expectativas decrescentes e de vivências em regime de urgência. Já o texto "Zonas de Espera" faz o leitor lembrar desde as condições de prisões e de campos de refugiados pelo mundo até das filas prosaicas em fast-foods e aeroportos.
O filósofo fala das "elites cinéticas", que pagam para passar na frente dos mortais comuns e ataca: "O tempo morto da espera punitiva é uma questão de classe".
No prefácio dos textos, o filósofo Marildo Menegat (UFRJ) descreve Arantes como um "intelectual engajado na era do ocaso das utopias", adepto da "crítica demolidora". Afirma que ele é forte influência na jovem intelectualidade que elabora uma crítica radical da sociedade.
De fato, na última página do livro está a foto do autor, megafone na mão, durante as manifestações de junho, numa aula pública convocada pelo Movimento Passe Livre. Aguardemos os novos capítulos dos protestos —ou as novas aulas.
O NOVO TEMPO DO MUNDO
AUTOR Paulo Eduardo Arantes
EDITORA Boitempo
QUANTO R$ 52 (464 págs.)
AVALIAÇÃO bom