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    Crítica: Livro é testemunho de existência intensa do crítico André Bazin

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    31/05/2014 02h30

    A pergunta "o que é o cinema?" constitui, por si, uma audácia e um desafio. Quem a formula dispõe-se a respondê-la, e não é qualquer um que pode se entregar a essa aventura. "Qualquer um", não. Raríssimos.

    Talvez apenas um, André Bazin, tenha sido capaz de oferecer uma resposta não apenas eficaz e precisa, como ampla o bastante para influenciar a arte do cinema por mais de meio século.

    Não será exagero dizer que nenhum teórico ou crítico foi tão influente quanto Bazin. Ele estava ao lado de Roberto Rossellini (1906-1977) ao formular o neorrealismo; animava os cineclubes de vanguarda do mesmo modo como levava filmes às prisões; fundou os "Cahiers du Cinéma", a mais importante revista dedicada a esta arte que já existiu, foi o mentor da geração da nouvelle vague, e foi uma espécie de pai espiritual de François Truffaut (1932-1984).

    Bazin teve uma existência breve (1918-1958), porém intensa, da qual o melhor testemunho talvez sejam os artigos de "O que É o Cinema?", que a Cosac Naify em boa hora reedita (a primeira edição brasileira, com o título emasculado de "O Cinema", saiu pela Brasiliense em 1991 e há muito estava esgotada).

    Divulgação
    Lituana de 105 anos, tataravó da narradora de 'Baba 105', curta dirigido por Felipe Bibian
    Lituana de 105 anos, tataravó da narradora de 'Baba 105', curta dirigido por Felipe Bibian

    Originalmente, essa suma do pensamento do teórico francês saiu em quatro volumes. Nos anos 1970, optou-se por uma síntese, sob supervisão de Janine Bazin (viúva do autor) e François Truffaut.

    O essencial das ideias que, no pós-guerra, redefiniram o cinema está lá: a recusa da montagem, a oposição ao "cinema puro", mudo, mas também a defesa do som e da cor (ou seja, do cinema como arte destinada a agregar tecnologia), entre outras.

    Livro
    O Que É o Cinema?
    André Bazin
    O Que É o Cinema?
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    Bazin se opôs ao melhor pensamento existente em seu tempo, para criar uma nova maneira de ver, produzir e se relacionar com a imagem.

    A ideia central, no entanto, aquela que impulsionou o que Eric Rohmer (1920-2010) chamou de "revolução copernicana" do cinema, foi a de um realismo constitutivo da própria imagem fotográfica, como o autor a descreveu em "Ontologia da Imagem Fotográfica": "Pela primeira vez, uma imagem do mundo exterior se forma, automaticamente, sem a intervenção criadora do homem".

    A essa propriedade realista, o cinema acrescentará a duração. O certo é que até então o cinema "como arte" definia-se por sua distância em relação à realidade.

    A partir de Bazin, ao contrário, é seu aspecto mecânico e a consequente proximidade com o real que define sua essência. Não se trata, é claro, de condenar os filmes de ficção científica ou os efeitos especiais, e sim de tomar o real como referência.

    Essa ordem de ideias possibilitou a Bazin seguir o neorrealismo, defender e ilustrar o trabalho de artistas como Orson Welles (1915-1985). Foi a base da nouvelle vague francesa e da "geração das escolas" americana.

    Embora alguns aspectos de sua reflexão tenham sido contestados até mesmo por seus discípulos mais próximos (a hostilidade em relação à montagem, por exemplo, que Godard contestava já em seu primeiro artigo para os "Cahiers"), seus artigos conservam o mesmo frescor, a originalidade e a força de sua publicação original.

    Pode-se dizer até: quanto mais passa o tempo, mais atual se torna o conjunto de ideias de "O que É o Cinema?".

    Se apenas isso já justificaria a nova edição, seu organizador, Ismail Xavier, acrescentou seis providenciais artigos que não constavam da "edição definitiva".

    Quatro deles aprofundam o trabalho com o neorrealismo. Outros, mais longos, debatem a montagem no documentário de guerra (sobre a série "Por que Combatemos") e a presença de personagens contemporâneos no cinema histórico da URSS ("O Mito de Stalin no Cinema Soviético").

    Faltou, talvez, "William Wyler, o Jansenista da Mise-en-Scène", fundamental artigo sobre a direção cinematográfica. Não se pode ter tudo.

    O QUE É O CINEMA?
    AUTOR André Bazin
    EDITORA Cosac Naify
    QUANTO R$ 49,90 (416 págs.)
    CLASSIFICAÇÃO ótimo

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