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    'Este é o período mais fértil da história do cinema brasileiro', diz Cacá Diegues

    MARCO RODRIGO ALMEIDA
    DE SÃO PAULO

    28/06/2014 02h02

    "É perigoso olhar para trás", alerta o cineasta Cacá Diegues no prefácio de sua autobiografia. Cita um caso famoso como prova: ao fugir de Sodoma, a mulher de Lot deu uma última olhadela para a cidade e acabou transformada em estátua de sal.

    Revisitar o passado, embora nem sempre tão mortalmente perigoso quanto no exemplo bíblico, muitas vezes é difícil e doloroso.

    O diretor, porém, passou incólume pela experiência. "Foi apenas trabalhoso", diz. "Me orgulho do que fiz, mas não tenho saudade de nada."

    Nos últimos seis anos, Diegues transpôs os principais momentos de seus 74 anos de vida para o papel. O resultado chega às livrarias agora. O título ("Vida de Cinema - Antes, Durante e Depois do Cinema Novo") não deixa dúvida sobre a maior paixão e o acontecimento central de sua vida.

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    Vida De Cinema
    Cacá Diegues
    Vida De Cinema
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    Ao lado de Glauber Rocha (1939-1981), Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988), Paulo Cesar Saraceni (1933-2012) e outros diretores, Diegues compôs o núcleo do cinema novo. O movimento eclodiu no começo dos anos 1960, com filmes de linguagem ousada sobre a realidade do Brasil.

    Desde então, Diegues acumula sucessos de público e crítica (veja ao lado). Conviveu com grandes artistas brasileiros (foi casado com a cantora Nara Leão, compôs uma valsa com Cartola) e internacionais (os cineastas Louis Malle e Jean-Luc Godard).

    Nos anos 1970, cunhou a célebre expressão "patrulha ideológica", usada para designar grupos que tentavam colocar a arte a serviço de uma ideologia política.

    Ainda ativo, começa a filmar em setembro seu 17º longa de ficção, "O Grande Circo Místico", inspirado em poema de Jorge de Lima (1893-1953). No dia 1º de agosto, Diegues participa de mesa na Flip (Feira Internacional Literária de Paraty) para comentar o livro.

    Na entrevista, ele fala da carreira, o cinema novo, eleição e os filmes atuais.

    *

    Folha - De que maneira avalia o legado do cinema novo?
    Carlos Diegues - O cinema novo foi, na minha vida, minha mais importante experiência pessoal, cultural, artística e política. Representou a fundação do cinema moderno no Brasil. No mundo, fomos a primeira cinematografia nacional, política e autoral do Terceiro Mundo.

    Desde "Cinco Vezes Favela" (1962), seus filmes tentam conciliar o registro realista, o olhar sobre a realidade brasileira, com a fantasia, o espetáculo. Como tenta equilibrar esses polos opostos?
    Esse é o objetivo que persigo em todos os meus filmes, essa dialética entre pensamento e sentimento. Os filmes precisam entreter, fazer pensar e encantar. Quero fazer filmes para os outros, sem ter medo de ser eu mesmo.

    Você sente algum peso por ser o único representante do cinema novo ainda ativo?
    Não, nenhum. Quero fazer meus filmes no tempo em que vivo. Tenho orgulho do que fiz no passado, mas nenhuma nostalgia. A coerência não é uma virtude artística.

    As "patrulhas ideológicas" continuam atuando hoje?
    As "patrulhas" sempre existirão, elas são o resultado do conservadorismo político, do medo de enfrentar o dogma. Hoje essa "patrulha" é menos importante que nos anos 1970, mas sempre se manifesta quando se trata de levantar novas ideias.

    Você sempre foi um defensor da união do cinema com a TV. Mas a Globo Filmes investe, sobretudo, em filmes que reproduzem programas de TV, em geral as comédias, não?
    É um equívoco achar que a Globo Filmes só investe em filmes que reproduzem a linguagem da TV. Estão aí, para dizer o contrário, sucessos heterodoxos como "Getúlio" e "Cine Holliúdy". As comédias urbanas a que você se refere são uma escolha do público e não de uma empresa.

    O predomínio dessas comédias nas bilheterias é prejudicial ao cinema brasileiro?
    Não, pelo contrário. Qualquer sucesso comercial gera mais recursos para o cinema brasileiro, um dinheiro que retorna aos investidores. Mas é preciso encontrar na economia o espaço para os filmes inovadores, que chegam com mais dificuldade ao mercado.

    Como encara o cinema produzido hoje no Brasil?
    Talvez estejamos vivendo hoje o período mais fértil da história do cinema brasileiro. Estamos fazendo cerca de 150 filmes por ano, coisa que nunca nos aconteceu antes.

    Na medida em que cresceu a produção, cresce naturalmente o número de filmes ruins. E de bons também. Mas não existe no mundo nenhuma arte nacional feita só de obras-primas.

    Já tem candidato para as eleições de outubro?
    Em outubro vou estar filmando meu próximo filme, "O Grande Circo Místico". É um bom pretexto para eu aproveitar a idade em que não sou mais obrigado a votar e minha falta de entusiasmo por partidos e candidatos.

    O senhor conviveu com alguns dos principais nomes do cinema brasileiro e internacional. Qual o impressionou mais?
    A pessoa mais interessante que conheci no cinema mundial foi Glauber Rocha, que infelizmente morreu muito cedo. Ele foi muito importante para mim, como amigo, cineasta e pensador.

    VIDA DE CINEMA
    AUTOR Cacá Diegues
    EDITORA Objetiva
    QUANTO R$ 59,90 (696 págs.)

    *

    RAIO-X
    CACÁ DIEGUES

    VIDA
    Nasceu em 19/5/1940, em Maceió (Alagoas). Foi casado com a cantora Nara Leão entre 1967 e 1977. Hoje sua mulher é a produtora Renata Almeida Magalhães

    CARREIRA
    É um dos fundadores do cinema novo. Seus filmes já foram exibidos nos festivais de Cannes, Veneza e Berlim

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