A língua árabe tem, na estrutura, uma das chaves para a compreensão da obra do escritor libanês Elias Khoury.
Nesse idioma, as palavras "homem" e "esquecimento" têm raiz semelhante. No trabalho de Khoury, que vem à Bienal do Livro de São Paulo dia 27 deste mês, tanto a humanidade quanto a memória são dois dos temas centrais.
"Nossa memória é a organização dos nossos esquecimentos", diz à Folha. "A maneira com que nos lembramos das coisas está baseada na realidade. Mas ela é também, em parte, inventada."
Khoury tem, nas últimas décadas, produzido obras já essenciais na literatura libanesa, e árabe em sentido mais amplo, como "Porta do Sol" e "Yalo", ambas traduzidas ao português pela professora da USP Safa Jubran.
São longos romances narrados pela mistura de memórias com o fluxo da consciência dos personagens, resultando em uma imagem ampla da qual o leitor não saberá dizer, ao fim de sua leitura, o que é realmente real.
"Estou perdido entre minhas próprias memórias e a memória dos meus romances", afirma Khoury, com a metade de seu rosto que aparece na tela do Skype. "Às vezes penso que determinada coisa aconteceu comigo, mas aconteceu na verdade com um dos meus personagens."
OPRIMIDOS
O que não significa que a obra de Khoury não se refira à realidade. Se em "Yalo" ele tratou da guerra civil libanesa, em "Porta do Sol" o autor discute a questão palestina. "Precisamos contar a experiência da vida presente."
"Há muitas lacunas na memória, especialmente na dos oprimidos", afirma, referindo-se à criação do Estado de Israel e à expulsão de palestinos, em 1948. "A história palestina foi destruída pela escrita feita pelo agressor."
"O que tento fazer, na literatura, é preencher a lacuna criada pela história. O que sobra aos oprimidos é a narrativa, onde podem vencer."
A literatura é também, diz Khoury, o único lugar em que podemos nos comunicar com os mortos. "Ouvimos o que eles têm a dizer e criamos espelhos das nossas experiências humanas", afirma o escritor libanês. (DB)