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    Gregorio Duvivier faz filme sobre rivalidade entre Rio e SP

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    16/09/2014 02h34

    O interior de um amplo casarão no Morumbi, bairro nobre paulistano, faz as vezes de sala de estar em Santa Teresa, bairro pitoresco carioca. De regata e havaiana, estirado no sofá, o ator e colunista da Folha Gregorio Duvivier brinca: "Só falta colocar som de tiro e sirene pra parecer mais o Rio".

    O ator carioca está num intervalo de gravação de "Desculpe o Transtorno", comédia que tira onda da rivalidade entre São Paulo e Rio. No filme, que sai em 2015, ele interpreta um sujeito de dupla personalidade: numa hora, o paulistano certinho Eduardo; noutra, o carioca fanfarrão Duca.

    "Um é o superego, e o outro é o id. O Eduardo é travado socialmente, mas também mais civilizado. O Duca é o exagero do carioca: é folgado", diz Duvivier. E emenda: "Exagero, não; é a realidade".

    A humorista Dani Calabresa vive sua namorada, uma paulista mandona. Clarice Falcão, mulher de Duvivier na vida real, completa o triângulo amoroso como uma garota tranquilona do Rio. Na cena a que a Folha assistiu, numa manhã de calor carioca em São Paulo, as duas se enfrentam no casarão de Santa Teresa.

    "Dois pratos de ovo mexido, Eduardo? E essa pele bronzeada?", questiona a personagem de Dani, estranhando os novos hábitos do namorado paulista. "É só passar dez minutos nessa cidade que tu fica bronzeado" é a evasiva dele, vivendo sua faceta carioca.

    "A minha personagem é uma patricinha, mas é até um pouco querida. É mandona, mas pentelha com carinho", diz Dani Calabresa, paulista de Santo André. Ela diz honrar o seu Estado natal em alguns hábitos: "Me arrumo pra ir ao shopping, faço mala dias antes. Queria ser mais descontraída, como os cariocas".

    Pernambucana de nascença, mas criada no Rio, Clarice afirma que quis buscar o escrachado para sua personagem. "Ela é fanfarrona. É carioca mesmo, independentemente de ser mulher", diz ela, de sandália e camisa largona.

    Dirigido por Tomas Portella ("Qualquer Gato Vira-Lata"), o longa orçado em R$ 6,5 milhões é das maiores apostas para o ano que vem da produtora Gullane ("Até que a Sorte Nos Separe"). "Queríamos uma comédia mais sofisticada, que abordasse as diferenças das cidades, mas sem o bairrismo", diz Caio Gullane.

    Estão no elenco Marcos Caruso, Zezé Polessa, Rafael Infante, Júlia Rabello e Luis Lobianco (esses três do grupo de humor Porta dos Fundos, de Duvivier e Falcão). O roteiro é de Adriana Falcão, Tatiana Maciel –mãe e irmã de Clarice–, e Pedro Carvalhaes.

    Nascido no Rio, Portella diz que "Desculpe o Transtorno" não irá caçoar de nenhuma das capitais. "A disputa é entre quem é a melhor, e não quem é a pior", afirma o diretor. Comandando uma equipe de filmagem misturada, ele aponta quem é de qual cidade. "Meus conterrâneos são os que estão de bermuda", diz.

    Nas cenas ambientadas em São Paulo, Portella promete uma estética com "luz mais elegante". Nas rodadas no Rio de Janeiro, ambientação "rococó", com "curvas e mais luz do sol entrando", descreve.

    De Antonio Prata, também colunista da Folha, Duvivier recebeu "aulas de paulistês". A pegada carioca ele buscou na "infância profunda". "É só deixar as vogais sujas nas frases, falar alôôô', aííí'", diz.

    André Brandão/Divulgação
    O ator Gregorio Duvivier em cena de 'Desculpe o Transtorno
    O ator Gregorio Duvivier em cena de 'Desculpe o Transtorno'

    CARIOCA NO COPAN

    Vivendo há duas semanas "na São Paulo pulsante", como descreve, Duvivier usou suas últimas colunas, publicadas às segundas na "Ilustrada", para elogiar a cidade.

    "Estou quase amarrando o burro aqui", diz ele à reportagem. "Estou comendo bem à beça. Pirei naquele restaurante peruano da cracolândia."

    Dividindo um apartamento no Copan com a mulher, o carioca de sangue paulista ("por parte da família materna") diz que tem andado de bicicleta pelo centro.

    "No fundo, as duas cidades são irmãs", diz Clarice. "Mas irmãs meio Ruth e Raquel."

    DEPOIMENTOS

    Paulistano no Rio: No Rio, amizades não são fruto de compromisso
    (SERGIO COHN, ESPECIAL PARA A FOLHA)

    Moro no Rio há 14 anos. Hoje digo que sou carioca por parte de filho. Mas sou um caso raro de paulista que deu certo por essas bandas.

    Vi amigos, alguns bem mais preparados, fracassarem na tentativa de migrar para esse doce e terrível balneário. O motivo principal é uma profunda diferença no modo do paulista e do carioca gerirem amizades.

    No Rio, amizade não é fruto de compromissos. Se você não entender isso, o resultado é uma sensação de solidão.

    Quando se encontra uma pessoa querida e esta lhe fala "vou lhe ligar", está na verdade dizendo "gosto de você". "Ligo essa semana" significa "gosto muito de você". "Ligo para marcarmos um chope nesse fim de semana" é uma declaração explícita de amor.

    Mas não espere o telefonema, ele não ocorrerá. As amizades no Rio acontecem nos lugares de convívio, em encontros como se fossem quase ao acaso. Hoje seria na praça São Salvador. Como já foi no Posto 9, hoje é no Arpoador.

    É preciso ter a cara de pau de ir para esses lugares, sem saber ao certo quem e o que vai encontrar. Se não, você corre o perigo de virar aquele eterno adolescente infeliz, esperando ao lado do telefone um sinal daquela garota que não vai lhe retornar.

    Carioca em SP: Na primeira vez, corretora já usa teu apelido
    (MAURICIO STYCER, COLUNISTA DA FOLHA)

    Costumo explicar que fui à praia por 25 anos e estou satisfeito, mas nem todo mundo aceita. Ao me perguntar sobre como tive a coragem de trocar o Rio por São Paulo o interlocutor às vezes até faz cara de nojo. O curioso é que a questão costuma ser feita tanto por amigos deixados para trás quanto por conhecidos no novo lar.

    São Paulo é a cidade em que a corretora de imóveis recém-conhecida te chama de "Má" e te mostra um apartamento "incrível" num bairro chamado Baixo Higienópolis (mais conhecido como Santa Cecília).

    Com o tempo, você aprende a comprar passagem na ponte aérea com desconto, mas abandona, sem se arrepender, dois tipos que pensava insubstituíveis: o dentista e o cara que corta seu cabelo há décadas. O último passo do desenraizamento é o mais dramático: a transferência do título de eleitor.

    E o time de futebol? Aí não! Para um torcedor do Botafogo, a paixão à distância só aumentou. Trabalhando na Folha nos anos 90 tinha o prazer de vê-lo ser chamado de "Botafogo-RJ", como se alguém fosse capaz de confundi-lo com o de Ribeirão Preto.

    Hoje, depois de 27 anos, continuo um carioca em São Paulo, o que inclui falar "meu" com sotaque de Copacabana —sinal de que é possível aproveitar o melhor de dois mundos.

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