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    Obra de Murilo Mendes ganha nova edição

    MARCO RODRIGO ALMEIDA
    DE SÃO PAULO

    20/09/2014 02h30

    A competição era acirrada na poesia brasileira em 1930. Naquele ano Manuel Bandeira publicou um de seus clássicos, "Libertinagem". E dois mineiros estrearam com força –Carlos Drummond de Andrade ("Alguma Poesia") e Murilo Mendes ("Poemas").

    Mário de Andrade, em ensaio famoso, deu seu veredicto: o de Murilo era "historicamente o mais importante dos livros do ano". As décadas seguintes, entretanto, correram contra o poeta.

    Bandeira um pouco antes (1917), Drummond e Murilo nos anos 1930 e João Cabral de Melo Neto uma década depois deram início ao melhor da poesia brasileira no século 20. De todas essas grandes obras, a de Murilo tornou-se a menos influente, discutida ou compreendida.

    "Ele ficou um pouco esquecido. A bibliografia sobre ele é muito menor do que a dedicada a outros autores modernistas. Hoje é muito menos lido que Drummond, Mário ou Oswald de Andrade", lamenta o crítico literário e romancista Silviano Santiago.

    L Wiznitzer
    O poeta mineiro Murilo Mendes em Paris (1955), durante missões culturais pela Europa
    O poeta mineiro Murilo Mendes em Paris (1955), durante missões culturais pela Europa

    O crítico acredita que a situação pode se alterar agora. A Cosac Naify começa a reeditar a obra completa, em poesia e prosa, do autor.

    Os quatro primeiros livros já estão nas livrarias (confira ao lado). A coordenação editorial é de Milton Ohata, Júlio Castañon Guimarães e Murilo Marcondes de Moura.

    Os volumes possuem edição gráfica caprichada, textos de análise e aparatos inéditos. A publicação de todos os livros do poeta deve ser concluída nos próximos cinco anos.

    Grande parte da obra de Murilo Mendes estava fora de catálogo. A última edição de sua obra completa, organizada pela professora italiana Luciana Stegagno Picchio, foi publicada pela editora Nova Aguilar em 1994.

    Segundo Marcondes de Moura, a edição em capa dura e papel bíblia trazia erros de grafia, problemas na divisão das estrofes e descuidos no projeto gráfico que a Cosac diz pretender corrigir.

    Murilo Mendes nasceu em Juiz de Fora (MG), em 1901, e morreu em Lisboa, em 1975. Viveu um longo período no Rio, passou por várias cidades da Europa em missões culturais e fixou-se na Itália em 1957, onde foi professor na Universidade de Roma.

    PERTURBADOR

    Bandeira escreveu, na "Apresentação da Poesia Brasileira" (1946), que Murilo era "talvez o mais complexo, o mais estranho, e seguramente o mais fecundo poeta desta geração".

    De todos esses adjetivos, "estranho" foi o que mais ficou associado a Murilo.

    "Ele tem diferenças profundas com a tradição lírica brasileira moderna", comenta Marcondes de Moura, professor de literatura brasileira na USP, estudioso da obra muriliana há mais de 20 anos.

    "Murilo tem um vínculo mais imaginativo com a realidade, busca uma transfiguração muito pouco realista. Há uma proximidade grande com o insólito. É uma obra muito perturbadora."

    Outro ponto que distinguia Murilo de seus pares, destaca o professor, é o tom religioso que perpassa sua obra. A grande amizade com o pintor católico Ismael Nery (1900-1934) foi preponderante na conversão do poeta à fé cristã.

    "Isso trouxe um pouco de preconceito contra a poesia dele. Parte do público e da academia o via como um poeta católico ultrapassado", afirma Marcondes de Moura.

    Convergência
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    Autor do posfácio da nova edição dos "Poemas", Silviano Santiago argumenta que Murilo ocupou uma posição excêntrica no modernismo brasileiro, fora do eixo ou de qualquer tentativa de classificação. Em seu texto, Santiago faz uma atenta análise da presença da religião nos poemas.

    "Mas não se trata de uma religiosidade puritana, nem ortodoxa. É um mundo mais complexo, onde a religião é contaminada pelo erotismo, pela desordem", explica.

    Um dos mais belos exemplos do livro de estreia é "O Poeta na Igreja", no qual "ancas das mulheres", "seios decotados" e "coxas" se interpõem entre o poeta e a cruz.

    Conciliador de contrários, como dizia Bandeira, Murilo permanece um assombro, que o leitor terá agora mais uma chance de tentar decifrar.

    *

    COLEÇÃO MURILO
    Os 4 primeiros livros

    "Convergência"
    R$ 36,90 (256 págs.)
    Neste último livro (1970), o poeta dialoga com o concretismo

    "A Idade do Serrote"
    R$ 36,90 (192 págs.)
    Memórias de 1968 retratam Minas e a formação religiosa

    "Antologia Poética"
    R$ 99 (320 págs.)
    Edição especial com imagens e CD em que Murilo lê seus poemas

    "Poemas"
    R$ 32,90 (128 págs.)
    Livro de estreia (1930), traz duas cartas para Mário de Andrade

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