Numa quintal abandonado, uma cobra rasteja em meio a escorpiões, lagartos e um rato. De repente, saltam diante da câmera dois galos em uma luta feroz, enquanto um terceiro passa correndo por eles. Um cachorro se envolve na briga, ataca um dos galos mas logo é mordido no pescoço por outros dois cães. Em outro canto, um sapo tenta se defender de uma cobra.
São cenas de "Usine" (2008), do artista franco-argelino Adel Abdessemed. O vídeo de um minuto e meio podia ser visto pelo público até domingo (21), quando foi retirado da mostra "Made By...Feito por Brasileiros", no Hospital Matarazzo, após críticas dos visitantes.
O curador da exposição, o francês Marc Pottier, lamentou a exclusão do vídeo, mas acatou a decisão da organização "em nome da segurança e da tranquilidade do público da exposição".
Maus-tratos a animais na obra "Usine"
Assista ao vídeo em tablets e celulares
Não se sabe como o vídeo foi produzido. A galeria David Zwirner, que representa o artista, disse que Abdessemed não dá mais entrevistas.
Outra obra dele, que exibia animais sendo mortos a marretadas, foi alvo de protestos na Itália em 2009.
ABAIXO-ASSINADO
A diretora do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal (FNPDA), Elizabeth McGregor, lançou no domingo um abaixo-assinado na internet pedindo a retirada da obra. Agora, vai além: irá cobrar uma postura do Ministério da Cultura e estuda medidas judiciais para o caso.
"Aquilo é crime. Imagine se aquilo fosse um vídeo com crianças sofrendo ou mulheres sendo estupradas?", disse Elizabeth. Na manhã de terça (23), a petição virtual contava com cerca de 2.000 assinaturas.
À Folha, a ministra Marta Suplicy (Cultura) disse que condena "maus-tratos de animais, e tal obra não me foi apresentada durante a visita que fiz à exposição".
Ela acrescentou que "a mostra é uma ocupação artística, de caráter privado, e tem uma curadoria responsável pela escolha das obras" e que "não cabe ao ministério fazer controle de conteúdo".
No entanto, Marta se disse aberta ao ouvir representantes da sociedade.
'SACRÍLEGAS'
Bem-vindo a "uma verdadeira Babel de ódio a Deus".
Virgem Maria ora é travesti, ora está coberta por baratas. Uma das salas se chama "Dios es maricas" (Deus é bicha). Visitantes são convidados a fazer "procissão" dentro de úteros gigantes, onde cortinas vermelhas delimitam "espaços para abortar".
Daniel Martins, 28, está horrorizado. "É um acinte à religião, ao Deus nosso Senhor. Um guia convidou alunos a assinar uma petição pela abolição do inferno", afirma à Folha o coordenador da ação jovem do IPCO (Instituto Plinio Corrêa de Oliveira).
O grupo traz no nome o fundador da TFP (Tradição, Família e Propriedade), organização católica conservadora que crê: "Depauperar a família destrói a civilização".
Agora, querem fazer barulho. Um buzinaço, para ser mais preciso, contra a 31ª Bienal de São Paulo —anunciada oficialmente como a mostra de "transgressão, transcendência e transexualidade". Imprimiram 50 mil panfletos para denunciar "aborto, blasfêmia e sacrilégio".
Elencam seis obras que poderão ser vistas por "seu filho, sobrinho ou neto" em excursões de colégios —por isso, incentivam o envio de mensagens de protesto aos diretores de escolas.
Cerca de 40 voluntários vêm distribuindo o manifesto pela cidade. Nos últimos dias, estiveram em frente ao metrô Butantã e à PUC.
Também gravaram um vídeo expondo a "ditadura feminista" do coletivo boliviano "Mujeres Creando", da instalação pró-aborto.
A mentira tem oito pernas curtas para Martins: a exposição errou ao eleger como símbolo desenho "de um hindu" (o indiano Prabhakar Pachpute), a torre de Babel movida por oito perninhas.
A equipe de curadores da Bienal diz mirar o debate público, "importante para tratar de assuntos tão delicados como o direito das mulheres de tomar decisões sobre o próprio corpo, a questão da liberdade sexual e o papel da religião na nossa sociedade."