Um servente de pedreiro permanece dez anos preso e é inocentado em São Paulo. No Maranhão, mortes horripilantes viram rotina do cárcere. Violações de direitos, vidas despedaçadas. Julgamentos enviesados, prisões superlotadas em condições subumanas. Rebeliões, violência, falência.
O cotidiano perverso da Justiça e do sistema penitenciário brasileiro surge em manchetes —uma realidade terrível, que muitos preferem ignorar.
O tema complexo, escandalizado e distorcido nas matinês da televisão ganha aos poucos mais espaço nas telas, em ficções ou documentários.
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Cena do documentário "Sem Pena", sobre o sistema carcerário |
Com uma abordagem original, o longa "Sem Pena", de Eugenio Puppo, entra nesse debate. Advogados, presos, professores, sociólogos, ativistas discutem a situação e apontam caminhos. Condenam a progressão geométrica do encarceramento no país, que já conta com a terceira maior população carcerária do mundo.
Apontam o tratamento desumano que vigora nas masmorras: bandido é bicho, diz uma pessoa. Nesse descalabro, a reincidência chega a 75%, alerta um outro. E metade dos presos não deveria estar atrás das grades, calcula um especialista.
Muito além de uma mera colagem de histórias dantescas, o documentário envereda pelas questões de fundo. Declaram os entrevistados:
"Há um abismo social em que todos estamos afundados. Existe um litígio histórico entre incluídos e excluídos. Falta a reforma agrária.";
"O que ocorre é o encarceramento da pobreza. A impunidade existe para determinada classes. Por que prendemos se não dá certo?";
"O sentimento de vingança é a base material para o capitalismo funcionar."
DENSIDADE
Com exceção da cena de uma perturbante audiência, os rostos dos que falam não aparecem (só surgem nos créditos finais).
O diretor traz outras imagens e, com esse efeito de início estranho, reforça o conteúdo. O importante não é quem diz, mas o que está sendo dito.
Bem costurado e impactante, "Sem Pena" foi eleito, pelo júri popular, o melhor filme do 47º Festival de Brasília, na semana passada. Merece ser visto. Dá densidade ao necessário debate numa sociedade eivada de injustiça e vingança.
SEM PENA
DIREÇÃO Eugenio Puppo
PRODUÇÃO Brasil, 2014, 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo