Quem acompanha a produção recente do cinema argentino já se acostumou com o retrato que este entrega da classe média do país vizinho.
Nos cafés, conversas, intrigas e lamúrias. Nos escritórios mal arejados do centro da cidade, o cotidiano sufocante e melancólico, mas com lugar à poesia. E, nas charmosas ruas e esquinas de Buenos Aires, o espaço para o romance ou para as pequenas trapaças.
"Juana aos 12" traz um outro mundo ao espectador. Temos aí a Buenos Aires dos subúrbios endinheirados, das festas à fantasia e das escolas bilíngues.
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Cena do filme 'Juana aos 12', de Martín Shanly |
Algo tradicional, mas que havia virado febre nos anos Menem (1989-1999), esses colégios em que as crianças aprendem inglês junto com o castelhano, encenam peças e fazem retiros e acampamentos só no idioma de Shakespeare são o cenário de "Juana aos 12", filme de estreia de Martín Shanly, 26.
Criado nesse ambiente, o jovem diretor realiza um questionamento muito pessoal, ao colocar em cena as próprias mãe e irmã, esta última como protagonista.
Juana é uma adolescente que não se ajusta. Conhece as respostas, mas está desinteressada todo o tempo. A mãe, preocupada, a leva a uma série de especialistas, sem questionar que o problema talvez seja o fato de a menina não sair nunca do ambiente protegido da escola e da casa ou do carro da mãe, que a leva a todo lado.
Desesperada para fazer amigos e ser amada, Juana faz maldades, confronta-se com sentimentos ruins, e identifica-se, sem saber muito o porquê, com a imagem da sofrida pintora mexicana Frida Kahlo, pendurada na parede, atrás da mesa da tagarela professora particular a quem não suporta.
O filme termina por ser um retrato de uma Argentina hoje exposta à chacota dos apoiadores do atual governo esquerdista de Cristina Kirchner.
Os que estão em cena são os responsáveis pelos chamados "anos do neoliberalismo", quando a economia estava dolarizada e a sensação de muitos era que se podia comprar de tudo. O sonho acabou em 2001, com a crise e a desvalorização repentina e brutal do peso, a moeda local.
Filme que aparenta ser pessoal e auto-reflexivo, "Juana aos 12" retrata, na verdade, o encolhimento de todo um projeto político em tempos de governo populista. A possibilidade e a iminência da reação de Juana expõe uma Argentina que esboça acordar novamente em breve.
JUANA AOS 12
(JUANA A LOS 12)
DIREÇÃO Martín Shanly
PRODUÇÃO Argentina, Áustria, 2014, livre
MOSTRA sex. (24), às 19h50, no MIS; dom. (26), às 14h, no Reserva Cultural
AVALIAÇÃO bom