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    Livro explica por que teatro Lira Paulistana foi fechado

    GUSTAVO FIORATTI
    DE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    02/11/2014 02h55

    Se o pequeno teatro Lira Paulistana fez tanto sucesso durante sua curta trajetória em Pinheiros (1979-1986), e se dava "muito dinheiro", como afirma um dos sócios, Wilson Souto Jr., por que raios sua história teria chegado ao fim em menos de seis anos?

    Conhecido por ter sido berço de Luiz e Paulo Tatit, Hélio Ziskind, Ná Ozzetti e outros talentos, a casa foi tema de "Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista", documentário lançado há um ano por Riba de Castro, sócio ao lado de Souto Jr., Plínio Chaves, Fernando Alexandre e Chico Pardal.

    Agora, o mesmo autor retoma o tema no livro "Lira Paulistana, um Delírio de Porão".

    Acervo Suzana Salles
    Virgínia Rosa, Vânia Bastos, Itamar Assumpção e Suzana Salles (da esq. para dir.), durante show no Lira Paulistana
    Virgínia Rosa, Vânia Bastos, Itamar Assumpção e Suzana Salles (da esq. para dir.), durante show no Lira Paulistana

    A contraditória extinção do ponto, celeiro para músicos como Itamar Assumpção (1949-2003) e sua banda Isca de Polícia, Suzana Salles e Tetê Espíndola, a mulher com um pássaro na garganta, não é explicada pelo filme, um trabalho que, como resume Souto Jr., é "só elogios" de testemunhas.

    O livro, além de reunir recortes de jornais, fotos, flyers, uma planta do teatro e muitos textos saudosos, preenche essa lacuna ao esclarecer melhor o contexto que levou a vida de um dos maiores símbolos do cenário cultural paulistano dos anos 1980 ao fim.

    Com capacidade para 250 pessoas bem apertadinhas em uma semiarena, o Lira foi deixado para trás pelos músicos da vanguarda, que iniciaram carreira ali, passaram a atrair plateias grandes demais e migraram para, por exemplo, o Centro Cultural São Paulo.

    "O Sesc Pompeia também abriu [em 1982] e começou a fazer uma programação parecida, mas eles tinham muito mais capacidade", diz Wilson.

    TÉDIO

    Sem sua matéria-prima, o Lira tentou se firmar no rock. Deu certo por um tempo: Titãs, Ira!, Ultraje a Rigor e outros foram descobertos no teatro.

    Mas qual banda punk ou de metal consegue fazer um show com plateia sentada? "A gente queria música para dançar, e tocar ali era um tédio, todo mundo parado", diz Roger, do Ultraje, banda descoberta pela gravadora Warner no local.

    Roger afirma que o Lira passou a sofrer a concorrência de danceterias com mais espaço e estrutura. "Radar Tantã, Rádio Club, Madame Satã e Rose Bombom eram mais legais. O Lira não era bem nossa praia."

    Depois de a casa virar palco para brigas de punks, os sócios foram se distanciando da curadoria. A prefeitura de Jânio Quadros também lacrou a casa um par de vezes por falta de estrutura e alvará.

    GRAVADORA

    Riba prefere explicar o fim do Lira de forma mais subjetiva: "Fechou porque movimentos culturais e de comportamento têm uma data de vencimento", avalia. "O Lira era reflexo do fim da ditadura, um momento de mudança, e acabou como acabam as paixões."

    Trecho de texto escrito por ele e publicado no livro conta que, depois de fechar um acordo com a gravadora Continental, em 1983, para emplacar músicos da vanguarda na indústria fonográfica, com selo da casa, "surgiu um distanciamento entre os sócios".

    "Wilson", prossegue o texto, "ausentou-se do Lira, sem comunicar aos demais sócios a razão, e só um tempo depois soube-se que havia sido contratado como diretor artístico da Continental. Começaram as divergências no grupo, surgindo interesses pessoais que prevaleceram sobre o coletivo".

    Manoel Motta - 4.fev.1986/Folhapress
    Georgia de Carvalho, secretária de produção do Lira Paulistana, estava dentro do teatro quando os fiscais da prefeitura chegaram
    Georgia de Carvalho, secretária de produção do Lira Paulistana, estava dentro do teatro quando os fiscais da prefeitura chegaram

    Em 26 de setembro de 1986, a "Gazeta de Pinheiros", em página reproduzida pelo livro, crava que "tudo acabou numa placa malfeita: passo o ponto".

    Para Souto Jr., extinguiu-se com o Lira um modelo de pequena casa de show em que "o espectador chega para ver o que está no palco e presta atenção àquilo", em comparação aos lugares onde "garçons circulam por entre as mesas e ninguém vê nada".

    Em tempo, o livro também fala de peças teatrais e filmes exibidos ali dentro. (guSTAVO FIORATTI)

    LIRA PAULISTANA - UM DELÍRIO DE PORÃO
    AUTOR Riba de Castro
    EDITORA Edição do autor
    QUANTO R$ 28 (205 págs., à venda no site www.vanguardapaulista.com.br)

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