Como tornar visualmente interessante uma entrevista conduzida por um apresentador que fala muito? O que fazer se determinadas imagens cruciais para a sua história não estiverem disponíveis?
Esses são problemas comuns que os documentaristas resolvem com a ajuda de toda espécie de instrumento: imagens de arquivo, reencenações e até mesmo animações.
A animação certamente não é novidade nos documentários. Foi usada em produções premiadas com o Oscar da categoria como "Tiros em Columbine" (2002) e "Procurando Sugar Man" (2012).
| FilmBuff via The New York Times | ||
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| Cena do documentário "Last Hijack", que utiliza animação para contar a história da pirataria na Somália |
O híbrido "Valsa com Bashir" (2008), de Ari Folman, transformou essa forma de narrativa usando animação com estilo de pintura. E filmes mais recentes estão expandindo o uso da animação para contar histórias de não ficção.
Três novos documentários fazem da animação um componente importante, e abaixo seus diretores explicam por quê.
"Watchers of the Sky"
O documentário de Edet Belzberg gira em torno do trabalho de Raphael Lemkin, defensor dos direitos humanos a quem é atribuída a criação da palavra "genocídio", e que lutou vigorosamente para torná-lo uma questão internacional. O uso de animação no filme surgiu de algumas ideias, uma das quais baseada na natureza das obras escritas de Lemkin.
"A escrita dele é muito visual", disse Belzberg em entrevista por telefone. "A experiência de ler todos os seus diários e ver as numerosas vezes em que ele reescrevia uma mesma sentença, e os diferentes desenhos das letras, foi incrivelmente comovente".
No filme, montagens de animação se concentram nas palavras escritas por Lemkin. "As palavras mesmas se prestam à animação", disse Belzberg. "Não creio que pudesse usar a animação para tratar de qualquer coisa, porém. Teria criado uma sensação de truque, de falsidade".
Ela também disse que era importante que a sensação fosse a de que a animação não estava em um mundo separado. "Eu queria que ela tivesse fluidez", disse a diretora. "Para fazer isso, a questão era trabalhar com camadas e criar o que chamo de mundo intermediário".
Para fazê-lo, ela entrelaçou as animações com imagens em vídeo e filme. "E, por sua vez, nas cenas de filmes de arquivo —cenas pesadas— havia também traços de animação".
A principal responsável pela animação foi Molly Schwartz, e o estilo que ela escolheu toma por base a pintura em aquarela, com cores luxuriantes.
"Last Hijack"
Uma observação íntima sobre a pirataria da Somália pelos olhos de um pirata, "Last Hijack" usa a animação para tanto transmitir as lutas interiores de seu protagonista principal, Mohamed, como para ilustrar momentos arriscados que os diretores não puderam filmar.
"Queríamos contar a história da pirataria da perspectiva dos somalis", disse Femke Wolting, em entrevista telefônica em companhia de seu co-diretor Tommy Pallotta.
O filme começa com imagens em filme de Mohamed, que se torna uma animação metafórica ao ser retratado como ave de rapina que tem o navio em sua mira.
"No começo imaginamos que poderíamos usar a animação para visualizar os momentos que não teríamos como filmar no mundo real", disse Wolting. "A função da animação mudou durante a edição. Decidimos usar a animação de maneira mais expressiva para mostrar os sonhos e medos de Mohamed de maneira subjetiva".
Os diretores foram apresentados a Hisko Hulsing, o artista holandês que criou as animações. "Ele pintou alguns fundos para nós e percebi que a pintura a óleo era a palheta que precisávamos empregar", disse Pallotta.
A técnica de animação envolvia um fundo pintado a óleo com um mundo tridimensional construído em torno dele.
"Nós aproveitamos algumas das melhores coisas na pintura a óleo, as imperfeições e o toque humano que ela apresenta", disse Pallotta. "Há cenas em que se pode até ver um fio de cabelo aprisionado por trás da tinta".
"Point and Shoot"
O filme de Marshall Curry tem como foco Matthew VanDyke, fotógrafo freelancer que se uniu às forças rebeldes da Líbia durante a Primavera Árabe, registrando em vídeo muitas de suas atividades até ser capturado pelas forças de Muammar Kadafi.
O filme em geral usa imagens registradas por VanDyke, acompanhadas por entrevistas que Curry conduziu com o fotógrafo. Mas as lembranças de VanDyke sobre seu período de confinamento solitário são mostradas como animação.
Curry disse por telefone que havia considerado outras maneiras de relatar visualmente essa parte da história de VanDyke.
"Pensei em reencenar a situação, mas é difícil fazer algo assim de um jeito que não pareça cafona ou programa da Court TV", ele disse. "Porque convivi com o personagem real, tê-lo representado por um ator seria esquisito".
A história de seu confinamento solitário é uma série de alucinações, disse Curry, e isso o levou a imaginar que animação fosse a melhor maneira de capturar a sensação daqueles momentos surreais. Ele pediu ajuda a Joe Posner.
Depois da guerra, VanDyke voltou à Líbia e fotografou a cela em que esteve preso, o que deu a Curry e Posner uma referência visual. "Joe construiu um modelo tridimensional fotorrealista da cela de prisão", disse Curry.
Isso serviu de base ao trabalho. O que Van Dyke vê em suas alucinações foi feito com base em desenhos impressionistas pintados a mão, com pinceladas densas.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
