• Ilustrada

    Friday, 03-May-2024 06:19:13 -03

    Crítica: Em sua imensidade, 'Graça Infinita' é sobre o tudo e sobre o nada

    JULIÁN FUKS
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    29/11/2014 02h02

    Muitos já desconfiaram da persistência da literatura, de seu sentido em tempos de imagem e ruído, de sua possibilidade de gerar novas leituras.

    Para esses, munidos de bons argumentos, grande parte da literatura do século 20 daria testemunho dessa crise, ensejaria um longo processo rumo à incomunicação e ao silêncio, trilharia o caminho das letras ao abismo.

    Sem desconhecer esse contexto histórico —pelo contrário, tomando-o como ponto de partida—, David Foster Wallace parece ter optado pelo caminho inverso.

    "Graça Infinita", seu portentoso romance escrito há quase duas décadas, é uma declaração eloquente de sua confiança na literatura, uma prova contundente do alcance ainda possível de uma longa narrativa fictícia.

    Nenhuma referência aqui ao fato surpreendente de um romance de mil páginas, com outras 130 de notas esclarecedoras ou disruptivas, ter arrebanhado um grande público –o pesado marketing em torno do livro não mereceria um comentário extenso.

    O que chama a atenção, em vez disso, é a capacidade de construir uma obra a um só tempo radical e fabular, vertiginosa e expositiva.

    É essa ambivalência que Wallace propõe ao leitor, fazendo-o oscilar entre a comoção melancólica e a alienação ante o incompreensível.

    Difícil expressar em poucas linhas de que trata o livro. De uma família de sujeitos excepcionais destinados à ruína; do suicídio violento de um pai e o duro luto dos filhos; de uma escola de tenistas com seus conflitos; de um futuro de pessoas entregues ao entretenimento dispersivo; de uma trama geopolítica um tanto infantil cheia de conspirações e intrigas.

    Em sua imensidade, "Graça Infinita" é um livro sobre tudo e sobre nada –como alguém poderia alegar que são todos os bons livros.

    Mas é também um livro sobre vício, sobre excessos e sobre comportamentos aditivos. Em sua ampla gama de personagens fissurados, na acumulação infinita de vertigens destrutivas, veem-se retratados os indivíduos desta época de saturação e consumo desmedido.

    Daí também o excesso incorporado na forma do livro: talvez o vício das drogas, do sexo, do trabalho, acabe por se refletir num vício narrativo. Em sua fissura particular, a obra apela a todo tipo de discurso, entremeando ao narrar uma série de memorandos, atas, artigos, currículos, cronologias.

    Graça Infinita
    David Foster Wallace
    LIVRO
    Comprar

    Cumpre avisar que estamos no território da profusão, não do rigor ou da expressão precisa, não da exatidão da maquinaria. Sobra muito no livro, muito do que se lê poderia julgar-se supérfluo. Tanto que, se suprimido, não restaria livro algum, o que acaba por recalibrar sua medida. É uma literatura feita de sobras a que Wallace nos oferece.

    Se isso é bom ou ruim, se a grandiosidade compensa a imperfeição, não é o mais importante aqui. O que cabe ressaltar é a saída possível que Wallace propõe para a literatura em sua incontornável crise, é a novidade que sua obra encerra.

    Se a incomunicação e a ausência de sentido marcavam os últimos ímpetos radicais, agora vemos convertida em forma uma comunicação infinita. E talvez haja, nessa saturação de mensagens e discursos e sentidos, um novo abismo a ser explorado em nosso tempo.

    GRAÇA INFINITA
    AUTOR David Foster Wallace
    TRADUÇÃO Caetano Waldrigues Galindo
    EDITORA Companhia das Letras
    QUANTO R$ 111,90 (1.144 págs.)
    AVALIAÇÃO bom

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024