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    Biógrafo de Clarice Lispector critica Brasília e ataca Niemeyer

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    08/12/2014 02h00

    Quando decidiu biografar Clarice Lispector, o escritor norte-americano Benjamin Moser sabia estar falando de uma "glória brasileira". Em seu novo livro, o alvo é outro, mas despido de toda a glória.

    "Cemitério da Esperança", ensaio lançado on-line há duas semanas e à venda por R$ 3 em cesarea.com.br, é um ataque virulento a Brasília e a seu criador Oscar Niemeyer.

    "Brasília é uma arquitetura rabiscada em mesa de bar, com prédios sem graça nem beleza, um desastre", diz Moser, em entrevista à Folha. "E Niemeyer era de um analfabetismo quase completo."

    Seu ódio a Brasília tem a ver com enxergar ali a raiz de um urbanismo que sabota o país, marcado por influências estrangeiras, a criação de "torres de apartamentos para bicheiros" e a destruição do passado das cidades brasileiras.

    Leticia Moreira - 6.ago.2010/Folhapress
    O escritor Benjamin Moser em pousada de Paraty, na Flip de 2010
    O escritor Benjamin Moser em pousada de Paraty, na Flip de 2010

    Um caso recente dessa destruição é a tentativa de erguer no antigo cais José Estelita, no centro do Recife, um condomínio de luxo que Moser vê como uma "faca fincada no coração da cidade".

    Ele não está sozinho. Cinco ações na Justiça tentam impedir a obra que varreria do mapa antigos armazéns de açúcar no estuário do Capibaribe, enquanto artistas e intelectuais se juntaram no Movimento Ocupe Estelita para preservar a história do lugar.

    Moser também entrou na briga e está doando a renda de seu novo ensaio –que teve até agora 700 cópias vendidas– ao grupo de resistência.

    Desde que "Cemitério da Esperança" começou a circular na internet, colunas de jornal e comentários nas redes sociais exaltam o brilhantismo de Moser ao pôr o dedo nessa ferida urbanística, jogando luz sobre estranhas alianças entre políticos e empreiteiras que vêm redesenhando as cidades do país num "tsunami de mau gosto".

    Mas o caso Estelita não aparece no novo ensaio. Moser faz uma defesa apaixonada do urbanismo acolhedor de cidades históricas, como Paraty e Ouro Preto, para denunciar a brutalidade de reformas modernas, como o redesenho do Rio no século passado e a ideologia por trás de Brasília.

    FETICHISTA DE CORTIÇO

    Nada disso é novo. Na seara do urbanismo, Moser se revela alinhado com o pensamento pós-moderno, que teve seu auge nos anos 1970 e 1980, com uma onda de revisão de projetos de cidades utópicas como a capital federal.

    Talvez novo seja identificar Brasília como o embrião do mal que assola as metrópoles contemporâneas. "Não sei se estou sendo utópico, mas o Brasil tem uma ideia de progresso que não deu certo", diz Moser. "Há uma agressão forte contra as cidades. Não é qualquer país que deixa seu passado ser bombardeado."

    Nesse ponto, Moser soa às vezes romântico, opondo a fúria das empreiteiras a uma ideia de Brasil pré-moderno. E reforça o coro dos que veem na preservação de ruínas nas cidades uma estratégia para um novo urbanismo menos violento e mais igualitário.

    "Não sou um fetichista de cortiço, um Che Guevara. Nem sou contra a indústria e o dinheiro", diz o escritor. "O que estou criticando não é a construção de um prédio. É a ideia de apagar o país, de destruir o passado e fugir do Brasil."

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