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    Biografia do cantor Sam Cooke, um dos fundadores do soul, é relançada em formato digital

    GABRIELA SÁ PESSOA
    DE SÃO PAULO

    28/12/2014 02h01

    Em 18 de janeiro de 2009, a cantora de soul Bettye LaVette se juntou a Jon Bon Jovi para um dueto diante das escadarias do monumento a Lincoln, em Washington.

    Acompanhados por uma orquestra, eles entoaram os versos: "Tem sido um longo, um longo tempo esperando/ Mas eu sei que uma mudança virá, sim, ela virá". O evento era a posse do presidente norte-americano Barack Obama e a música escolhida era "A Change is Gonna Come".

    Composição do "soulman" americano Sam Cooke, a canção foi o grande hino das lutas pela igualdade de direitos civis nos Estados Unidos dos anos 1960 e foi lançada dias depois da morte do cantor, em 11 de dezembro de 1964.

    Michael Ochs/Getty Images
    O cantor Sam Cooke em foto feita nos anos 1960
    O cantor Sam Cooke em foto feita nos anos 1960

    Aos 33 anos, Cooke foi assassinado por Bertha Franklin, gerente de um hotel onde ele havia se hospedado em Los Angeles. As circunstâncias em que o crime aconteceu até hoje são controversas -Franklin alegou legítima defesa e não foi condenada pelo crime.

    Meio século depois, os protestos que tomaram as ruas dos EUA em 2014 por conta de mortes igualmente controversas de jovens negros pela polícia mostram que ainda falta muito para que a mudança pedida por Cooke chegue.

    Em termos musicais, porém, o alcance dos falsetes do cantor, considerado um dos fundadores do soul, atingiu proporções poderosas.

    Pouco conhecido no Brasil, Cooke influenciou toda uma geração que o sucedeu -de Bobby Womack, cantor de quem foi amigo, à ainda adolescente Aretha Franklin, que o venerou desde que o ouviu cantar, com o conjunto The Soul Stirrers, na igreja de seu pai, em Detroit.

    "Ele e Ray Charles permitiram a explosão do soul. Basicamente, tiraram o som que tocava nas igrejas e levaram o gospel para o secular", explica Peter Guralnick, autor da biografia "Dream Boogie: The Triumph of Sam Cooke" (Little Brown, US$ 9,99 no iTunes).

    Publicado pela primeira vez em 2005, o livro acaba de ganhar uma versão digital. A nova edição inclui extras, como vídeos do autor dirigindo por Chicago com L.C. Cooke, irmão de Sam, e uma série de entrevistas inéditas com Womack, morto em junho.

    Sem tradução prevista no Brasil, o título contempla também a faceta de pioneiro na indústria musical. "Ele não só foi o primeiro artista negro a gerir a própria carreira, mas o primeiro a criar seu próprio selo, a controlar seus direitos autorais e a produzir seus próprios discos", conta Guralnick.

    SUSPIROS

    O porte de galã -Aretha Franklin relatou ao biógrafo que o cantor arrancava suspiros por onde passava-, a voz aveludada e a postura de astro de rock no palco faziam de suas apresentações de música gospel nas igrejas americanas eventos de histeria coletiva nada comportados.

    A passagem definitiva para o pop veio com a canção "You Send Me", de 1957, primeiro lançamento solo de Cooke. O compacto vendeu quase 2 milhões de cópias.

    A receita do sucesso, para Guralnick, é a simplicidade da melodia: "Ela foi feita para atrair público além das fronteiras raciais". A música alçou o cantor ao estrelato, a ponto de Elvis Presley saber de cor parte do repertório do "soulman".

    Outra fã é a cantora Martha Reeves, uma das divas do soul. "'You Send Me' é a música de amor mais bonita já escrita. Sam Cooke sempre foi o meu preferido, ao lado de Marvin Gaye", disse Reeves, em entrevista à Folha.

    As raízes de "A Change is Gonna Come", que gravaria Cooke na história, porém, estão além do gênero que ele ajudou a pavimentar.

    Ele ficou intrigado quando ouviu "Blowin' in The Wind", de Bob Dylan, em 1963. Sentiu-se envergonhado por não ter escrito nada parecido com a letra do músico folk, enquanto os discursos de Martin Luther King inflamavam a luta pelos direitos civis nos EUA.

    Assim que a canção ficou pronta, Cooke pediu que Bobby Womack fosse até a sua casa ouvi-la. "Ele disse que colocou naquela letra cada sentimento que já sentiu na vida", relatou Womack a Guralnick, em áudio da nova edição.

    O biógrafo retrata Cooke como um tipo que não baixava a cabeça para ninguém. "Não permitia que ninguém o desrespeitasse. Talvez seja essa a razão por que foi assassinado."

    Para o autor, o discurso de "não revidar" ainda circula nos EUA. "Não faltam negros reclamando que não podem responder ou vão levar um tiro, que tem que aprender a aguentar ofensas para serem aceitos", diz. "De algum modo, ele ignorou esses conselhos."

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