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    Dadi, o 'Leãozinho', conta memórias da surpresa por ter inspirado Caetano

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    08/01/2015 02h05

    O músico Dadi Carvalho é do tipo modesto: atribui apenas à sorte o fato de ter participado de "momentos maneiros na MPB", como descreve. "Qualquer um poderia estar no meu lugar", diz o baixista.

    Fonte de inspiração para a música "O Leãozinho", de Caetano, Dadi fez parte dos grupos Novos Baianos e A Cor do Som, nos anos 1970, além de ter participado da gravação de discos como "África Brasil" (1976), de Jorge Ben, e "Tribalistas" (2002), da banda que reuniu Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte.

    Aos 62, ele reúne todas essas passagens na recém-lançada autobiografia "Meu Caminho É Chão e Céu". "Não sou escritor, procurei escrever como falo", diz à Folha.

    Estão ali, por exemplo, o momento em que ganhou a primeira bateria do pai, as bisbilhotadas em ensaios de shows de bossa nova na Ipanema dos anos 1960 ("Eu era amigo dos porteiros", diz) e o encontro, no Arpoador, com Baby Consuelo, que o levaria para os Novos Baianos.

    "Foi uma diversão incrível, altos papos, música o dia todo", lembra, sobre os anos que passou com a banda e que resultaram em discos como "Acabou Chorare" (1972).

    "Era tudo difícil em termos de dinheiro, mas eu nem me preocupava muito com aquilo, estava ali pela música."

    Arquivo Pessoal
    Dadi logo depois de deixar o baixo na Kombi que seguia para o show dos Novos Baianos, em Niterói.
    Dadi logo depois de deixar o baixo na Kombi que seguia para o show dos Novos Baianos, em Niterói.

    Entre 1970 e 75, Dadi conviveu com o grupo no apartamento carioca deles ("Dividido com panos, como se fossem cabanas, com vários edredons espalhados pelo chão, servindo de camas") e no sítio em Vargem Grande.

    "Mas começou a ficar como casamento. De repente, virou uma seita que todo mundo obedecia", diz. "As coisas perderam o deslumbramento e eu acabei me sentindo perdido quando o Moraes Moreira saiu do grupo."

    Em 1975, juntou-se à trupe de Jorge Ben Jor, gravou canções como "Jorge da Capadócia" e, no ano seguinte, com Mick Jagger, uma música nunca lançada. Em seguida, se uniu ao irmão, Mu, no grupo A Cor do Som, misto de choro, baião e rock progressivo.

    MÚSICA PARA CRIANÇA

    Caetano Veloso conheceu Dadi na época em que o último ainda fazia parte dos Novos Baianos. Ao baixista, ele dedicou "O Leãozinho", de 1977, episódio que, no livro, Dadi resume num parágrafo.

    "O pessoal da editora até queria que eu escrevesse mais sobre isso, mas eu não tinha muito o que falar", afirma.

    Quando ouviu a canção pela primeira vez, não acreditou que fosse para ele. "Achava que era para o filho do Caetano porque parece um pouco música para criança", diz.

    O "filhote de leão" hoje é avô. E continua tocando, acompanhando a banda de Ben Jor. "Ser músico é um pouco como ser taxista: tem que ficar rodando, não pode parar." (GUILHERME GENESTRETI)

    MEU CAMINHO É CHÃO E CÉU
    Autor: Dadi
    Editora: Record
    Quanto: R$ 30 (176 págs.)

    *

    "Dadi é bom, claramente luminoso", diz Caetano Veloso

    A Folha conversou com o cantor Caetano Veloso a respeito sobre a música por ocasião do lançamento da autobiografia de Dadi, "Meu Caminho É Chão e Céu" (ed. Record).

    Folha - Na contracapa da autobiografia de Dadi há um texto seu sobre ele. "Dadi era o menino encantado dos Novos Baianos, o leonino total, solar." Pode contar um pouco sobre como foram os primeiros contatos com ele e a impressão que Dadi lhe causou?

    Caetano Veloso - A ida ao apartamento dos Novos Baianos em Botafogo me causou forte impressão. Dadi era talvez o único dos que estavam lá que eu não conhecia. Ele tinha 17 anos e era - como é até hoje - luminoso, claramente bom. Quando voltei ao Brasil definitivamente em 1972, o grupo já vivia num sítio em Vargem Grande.

    Dadi estava lá, com Leilinha, sua namorada (que é sua mulher até hoje, um casamento longevo como quase não há em nosso meio), transpirando virtudes espontâneas e beleza. Fiquei amigo desse casal, que, hoje com filhos e um neto, têm minha admiração pela sabedoria no desenvolvimento do amor. Dadi tinha se tornado um símbolo do novo com que sonhávamos então.

    Em que momento você decidiu que Dadi merecia essa canção? Pode contar um pouco sobre a composição dela?

    Entre o primeiro encontro em 1971 e o amadurecimento de nossa amizade, depois que voltei a morar no Rio, em 1974, compus "O Leãozinho" pensando nele - e no disco que estava preparando e que já desenvolvia sob o título "Bicho". Lá estão também "Tigresa", "A Grande Borboleta" e "Gente": eu queria desdobrar o tema do título em canções. Eu sou do signo de leão. Dadi também. Só que ele é muito mais novo do que eu. Às vezes eu o chamava de "leãozinho". Assim, fiz finalmento uma canção que dava conta da impressão de pureza, clareza e positividade que ele me dava.

    "O Leãozinho" também é uma canção solar, leve. Nos anos 90, Dadi chegou a te acompanhar no baixo enquanto tocavam essa música. Qual era a emoção de tê-lo ali executando uma canção composta para/sobre ele?

    De grande alegria e orgulho.

    "O Leãozinho" e "Menino do Rio" são duas canções que exaltam figuras masculinas e rompem o que parece uma tradição de quase só se cantar a beleza feminina. Por que acha que tão poucas canções foram feitas à beleza dos homens?

    É compreensível: quase só homens compunham. E todos partiam da tradição poética trovadoresca e romântica. Quando Dolores Duran escreveu o verso "Eu não seria esta mulher que chora", os homens que cantavam "Castigo" diziam "Eu não seria esse ser que chora" - o que fica bem menos bonito.

    Mas há o moreno de Assis Valente que "Fez Bobagem"; o outro, também dele, que saiu de "Camisa Listrada"; o "pedaço" de Ary Barroso que saiu de "Camisa Amarela"; o marido a quem Chico queria tratar "Com Açúcar, Com Afeto" - e outras canções escritas por homens para serem cantadas por mulheres. Raramente surge um nome: só me lembro agora de "Frankie", na versão brasileira gravada por Cely Campelo. Sou da geração que foi jovem nos anos 1960: convenções da tradição não são muito reverenciadas por nós.

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