No longa "Acima das Nuvens", uma atriz em crise e sua jovem assistente passam uma temporada isoladas em uma casa e acabam por desenvolver uma relação tortuosa.

Não à toa, o novo filme do francês Olivier Assayas, com Juliette Binoche e Kristen Stewart, faz lembrar "Persona" (1966), de Ingmar Bergman (1918-2007).

"A partir do momento em que comecei a refletir sobre as personagens de Maria e Valentine não pude deixar de perceber que estava indo para o território de 'Persona', uma obra maior do cinema mundial, meu filme preferido", diz Assayas à Folha.

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	Juliette Binoche e Kristen Stewart em cena de "Acima das Nuvens", de Olivier Assayas.

Mas não é apenas no conflito entre as duas personagens femininas que reside a ligação, e até mesmo uma espécie de ode, a Bergman. É também na mistura entre teatro e cinema, traço marcante da obra do sueco, que os dois se encontram.

"A obra de Bergman está no cruzamento entre modernidade cinematográfica e algo de longínquo, que está em suas raízes, a tradição dramatúrgica de [August] Strindberg", afirma Assayas, 59.

Antigo crítico da lendária revista "Cahiers du Cinéma", Assayas realizou junto de Stig Björkman uma histórica entrevista com Bergman em 1990, transformada em livro (hoje disponível em francês, italiano e alemão).

No filme, Maria Enders (Binoche) volta aos palcos com a peça que fez sua carreira surgir. Desta vez ela está no papel da empresária de meia-idade apaixonada pela assistente 20 anos mais jovem; seu papel inicial é agora interpretado por uma atriz-problema à la Lindsay Lohan vivida por Chloë Grace Moretz.

Enders parte então com sua assistente Valentine (Stewart) para a região montanhosa suíça de Engadin, próxima à vila de Sils Maria, onde se prepara para a atuação. O local é conhecido na Europa por ter sido refúgio de artistas, e onde o filósofo Nietzsche costumava se retirar.

"É uma paisagem habitada pelo tempo, por algo que tem a ver com a cultura europeia do fim do século 19 e início do 20. Eu queria inscrever minha história nesse espaço habitado pelo passado, pelo tempo e por fantasmas", diz o diretor.

A sua decisão por fazer o filme em inglês, com atrizes americanas, foi tomada, em parte, por conta de Binoche.

"Quando falamos uma língua estrangeira, somos um pouco outra pessoa, e eu tinha a impressão de que a Juliette anglófona estava mais próxima de meu personagem do que a Juliette francófona."

"Isso me permitiu incluir uma relação com a indústria do entretenimento do cinema americano", diz. Para ele, isso possibilitou que o filme se abrisse para além do mercado do cinema francês.

Desde quando o filme estreou no Festival de Cannes, o que chamou a atenção do público e da crítica foi a atuação de Stewart. O trabalho da americana conhecida pelos filmes da saga "Crepúsculo" surpreendeu o diretor.

"No cotidiano das filmagens, descobri uma pessoa mais apaixonante, mais profunda do que podia imaginar antes. Se ela encontrar o papel que merece, terá realmente uma carreira maravilhosa", crava Assayas.

O filme foi exibido em São Paulo na última Mostra Internacional de Cinema, em outubro. À época, o crítico da Folha Inácio Araujo avaliou o longa como bom, ressaltando que a produção se encaixa no interesse do diretor "pela inevitável deterioração que o tempo acarreta", evidente em seus filmes anteriores.

Porém, Inácio considerou que Assayas parecia estar indo na direção de um academicismo, com classe, mas faltando "algo de realmente vivo ali".

ACIMA DAS NUVENS
(Clouds of Sils Maria)
DIREÇÃO Olivier Assayas
ELENCO Juliette Binoche, Kristen Stewart, Chloë Grace Moretz
PRODUÇÃO França/ Suíça/ Alemanha, 2014,
CLASSIFICAÇÃO 14 anos