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    Autor de 'Zorba, o Grego' narra terra em processo

    FERNANDA LEMOS DE LIMA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    24/01/2015 02h40

    Um mergulho nas contradições internas de um homem, personagem de si mesmo, é o processo de escrita que nos aguarda ao iniciarmos a jornada pelas páginas de "Relatório ao Greco", último livro do escritor grego –e, sobretudo, cretense– Níkos Kazantzákis (1883-1957).

    Em tradução feita diretamente do grego moderno, por Lucília Brandão, temos acesso a um livro singular do autor, mais conhecido no Brasil por obras vertidas para o cinema, como "A Última Tentação" e "Zorba, o Grego".

    A edição resulta de um projeto de "crowdfunding", pelo qual o público podia fazer doações ou reservar cópias do livro antes da publicação.

    Divulgação
    Cena do filme 'Ate que a Sbórnia nos Separe'
    Cena do filme 'Ate que a Sbórnia nos Separe'

    O homem cindido entre o racional e o controlado, entre Deus e o Diabo, entre todas as contradições vivenciadas pela mortalidade humana: eis as presenças e vozes dos antepassados que constituem o narrador dessa obra de tom memorialista peculiar em que, ao mesmo tempo, a história de Creta e da Grécia é perpassada em revista.

    Kazantzákis, o narrador, oferece ao leitor a oportunidade de acompanhar, por seu olhar que se transmuta com a passagem do tempo, um pouco do mundo helênico, de sua cultura e da ampliação de horizontes que outras terras e conhecimentos trouxeram, especialmente a filosofia.

    O livro é dividido em pequenos capítulos, cujos títulos curtos parecem fazer referência ao mosaico da vida desse homem que retorna ao menino, para se reconstruir pela memória. Da família, a figura do pai carrancudo e forte; da mãe que parece representar toda a casa e a extensão da família.

    Lembranças que se desdobram e falam das invenções de garotos que pensam poder mudar o mundo e assistem às intolerâncias humanas, à guerra entre turcos e cristãos e à libertação de Creta.

    MUDANÇAS

    Entre traços das experiências de uma individualidade em formação e de uma terra em processo de mudanças políticas, após os anos de estudo em Atenas, temos Kazantzákis, personagem dele mesmo, retornando a Creta, às sensações que deixara, as quais provocaram nele o processo da escrita. Antecedido por febre e calafrios, assim surge em palavras seu primeiro texto: "A Serpente e o Lírio".

    "Escrevia e me admirava, era deus e fazia o que queria, transformava a realidade, criava-a como queria que ela fosse, misturei irrevogavelmente verdades e mentiras, já não existiam mais verdade e mentira, eram apenas suave massa e a manuseava, tornava a manuseá-la ao meu bel prazer, sem pedir permissão a ninguém."

    Tal é o texto que provoca o leitor e o convida a seguir não a vida de um homem, mas a narrativa a pensar um viver que se propõe a chegar ao cume do calvário, a experimentar paixões e ideais.

    Dessa forma se constitui "Relatório ao Greco": uma prestação de contas a outro cretense, o pintor El Greco (1541-1614), cujos traços pareciam almejar as alturas do divino e representaram a fúria do Cristo ante os vendilhões do tempo.

    A esse a quem o narrador chama de general em seu prólogo, seu avô ancestral, é oferecido o relatório a ser ouvido, como tributo à raça de Creta a quem nosso narrador não envergonhou.

    RELATÓRIO AO GRECO
    AUTOR Níkos Kazantzákis
    TRADUÇÃO Lucília Soares Brandão
    EDITORA Cassará
    QUANTO R$ 100 (488 págs.)
    AVALIAÇÃO bom

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