Uma mulher é arrastada pelas ruas por uma multidão enraivecida. Sua carne é rasgada com conchas, ela é mutilada e o que resta de seu cadáver é queimado. O crime, segundo os seus algozes: discordância religiosa.
A cena, histórica, é narrada pelo autor egípcio Youssef Ziedan no romance "Azazel". Trata-se do assassinato da filósofa Hipátia, em 415 d.C., morta em Alexandria por um grupo radical cristão.
O livro, que em 2009 recebeu o Prêmio Internacional de Ficção Árabe, mais importante honraria naquele idioma, foi traduzido pela professora da USP Safa Jubran e publicado neste mês no Brasil, pela editora Record.
Retirada de seu contexto, a cena do assassinato de Hipátia poderia ser também a descrição de um dos vídeos divulgados pelo Estado Islâmico em suas contas nas redes sociais. A coincidência não é de todo por acidente.
"A violência religiosa é igual no islã e no cristianismo", diz à Folha Ziedan. "Nós permitimos que isso continue a acontecer e, por isso, vamos sofrer mais."
"Azazel" conta a história de um monge egípcio no século 5 enquanto assiste, involuntariamente, aos debates teológicos da igreja cristã e à violência entre os grupos que não pensam da mesma forma.
O protagonista registra, assim, as divisões religiosas fomentadas pela polêmica em torno da natureza de Jesus Cristo –humana, divina.
O retrato traçado por Ziedan da igreja copta, vertente dominante do cristianismo no Egito, porém, não agradou parte de seus seguidores. "Alguns grupos fundamentalistas se incomodaram com o livro", diz. O bispo Cirilo é retratado, afinal, como violento radical.
"Não escrevi 'Azazel' contra a igreja. É contra o uso da violência em nome de Deus."
O tratamento dado às polêmicas religiosas não foram o único dos fatores que surpreenderam leitores no Egito. O livro também causou estranhamento devido a sua ambientação histórica.
"Azazel" narra acontecimentos anteriores à chegada do islã à região, no século 7, e posteriores à Antiguidade das pirâmides e dos faraós. É um período egípcio menos conhecido, inclusive no próprio país.
"Eu percebi que esse tempo estava esquecido pela história do Egito e do Mediterrâneo. Muitas coisas aconteceram, houve mudanças no pensamento humano, mas tudo isso estava oculto", diz o autor à reportagem.
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Esses séculos egípcios são, no entanto, essenciais ao cristianismo. Foi nesses desertos que cresceu, por exemplo, o movimento monástico, que inspira monges a se isolarem da sociedade.
Alexandria era, no período narrado em "Azazel", um importante centro para o pensamento cristão, como Antioquia e Constantinopla.
O livro é, aliás, uma homenagem à cidade. "Comecei a escrever ao ver, nos anos 2000, como Alexandria estava se transformando pelas obras de reconstrução", afirma Ziedan. "Eu quis conservar a cidade original."
AZAZEL
AUTOR Youssef Ziedan
TRADUÇÃO Safa A-C Jubran
EDITORA Record
QUANTO R$ 50 (384 págs.)