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    Centenário de Vilanova Artigas é celebrado com filme, mostras e livros

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    03/03/2015 02h00

    Uma luz mais intensa brilha sobre o salão caramelo, o pátio central da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Removida a sujeira que pretejava as claraboias de sua cobertura, o edifício na Cidade Universitária voltou à forma no ano em que se celebra o centenário de seu arquiteto, João Batista Vilanova Artigas.

    "É emocionante ver as linhas desse prédio", dizia Laura Artigas, neta do arquiteto, enquanto filmava a FAU para um documentário sobre o avô. "Quando a gente entra aqui, sente a escala de sua obra."

    Morto há 30 anos, aos 69, o mestre do brutalismo paulista, estilo arquitetônico marcado pelo uso expressivo do concreto armado, chegaria a um século de vida em junho deste ano, quando será alvo de uma retrospectiva no Itaú Cultural, do filme de sua neta e de um livro de sua filha, a historiadora Rosa Artigas.

    Sua obra também estará numa mostra sobre arquitetura latino-americana que será aberta no fim deste mês no MoMA, em Nova York, além de ser tema de um recente estudo do professor Miguel Antonio Buzzar, da USP.

    Mas para entender Artigas, que mesmo nascido em Curitiba se tornou um nome indissociável da paisagem paulistana, com obras como o estádio do Morumbi, o edifício Louveira e a garagem de barcos do antigo clube Santa Paula, na represa de Guarapiranga, talvez seja mais fácil passar uns minutos na FAU.

    "É como se ali ele concebesse um mundo alternativo ao mundo real, entre o arcaico e o industrial", diz Buzzar. "Sua arquitetura é vigorosa e tem uma posição política. É a ideia de uma sociedade em que os espaços coletivos são mais importantes do que os individuais. Na época do golpe militar, seus edifícios surgiram como espaços de liberdade."

    Paulo Mendes da Rocha, o maior discípulo de Artigas, estava com ele em 1964 quando ouviu pelo rádio que os militares tomavam o poder em Brasília. "Ele era comunista e tentou fugir", lembra. Artigas passou um mês na prisão em setembro do ano do golpe e depois se exilou no Uruguai, de onde voltou no ano seguinte.

    Suas obras dos anos 1960, como a FAU e a garagem de barcos, são testamentos do auge de seu poder criativo. Além do uso do concreto, são construções marcadas pela articulação dos espaços em torno de um eixo central e a atenção à transparência, reforçando a sensação de que seus edifícios se entrelaçam com a paisagem ao redor.

    "Na essência, a grande virtude do Artigas sempre foi a sabedoria de implantar seus prédios de tal forma que o espaço é livre", diz o arquiteto Eduardo Rodrigues, que foi aluno de Artigas. "Seus espaços nunca são contingenciados, constrangidos."

    É o que Mendes da Rocha chama de "êxito da técnica". "Uma construção precisa antes de tudo ser brilhante do ponto de vista estrutural. Essa é a beleza", diz o vencedor do Pritzker, maior prêmio da arquitetura. "É como as colunas de um templo ou pedras de uma catedral. Sem geometria, nada fica de pé."

    PORTA DOS FUNDOS

    Também ancorada na beleza da geometria, a garagem de barcos de Artigas, hoje em ruínas, é um dos melhores exemplos de sua busca obsessiva pela perfeição estrutural, com uma laje que desliza sobre pontos de apoio móveis quando se expande ou contrai com as oscilações na temperatura.

    "Tem essa sutileza", diz Marco Artigas, neto do arquiteto. "É monumental, mas tem uma escala humana."

    Enquanto o atual proprietário da garagem estuda planos para transformar o espaço num restaurante, a família do arquiteto tenta preservar o resto de seu legado doando seus desenhos e projetos à FAU.

    Uma parte dessa memória também estará no livro que sua filha, Rosa Artigas, lança em junho. "Muitos dos seus edifícios estão em ruínas", diz ela. "O livro vai mostrar como a arquitetura entra para a história pela porta dos fundos."

    A SÃO PAULO DE ARTIGAS: Veja onde estão as principais obras do arquiteto na metrópole

    FAU
    r. do Lago, 876
    Sede da faculdade de arquitetura da USP é a obra-prima do arquiteto

    Edifício Louveira
    pça. Vilaboim, 144
    O prédio de Higienópolis virou referência para projetos que revisitam a escola paulista

    Estádio do Morumbi
    pça. Roberto Gomes Pedrosa, 1
    O projeto de 1953 concluído em 1960 foi um dos mais desafiadores da carreira do arquiteto e um dos maiores exemplos do brutalismo na arquitetura do país

    Garagem de barcos
    av. Atlântica, 4.308
    Ápice da maestria estrutural do arquiteto, edifício que abrigava os barcos do antigo clube Santa Paula à beira da represa de Guarapiranga hoje está em ruínas

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