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    Novo álbum de Coltrane é lançado nos 50 anos de "A Love Supreme"

    RONALDO EVANGELISTA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    16/03/2015 02h00

    John Coltrane (1926-67) era um revolucionário espiritual.

    Há 50 anos, quando entrou no estúdio com seu quarteto para gravar o álbum "A Love Supreme", a meta era unir sua técnica à sua devoção, som e ascensão, corpo e alma.

    Àquela altura, o saxofonista já tinha realizado obras como "Giant Steps" e "My Favorite Things", mas, em sua constante busca, ainda precisava chegar em um lugar novo, em que a música servia de prece e acalanto ao espírito.

    Val Wilmer/Reprodução
    O saxofonista John Coltrane no Hotel Fleming's, em Londres, fotografado pelo historiador musical Val Wilmer em 1961.
    O saxofonista John Coltrane no Hotel Fleming's, em Londres, fotografado pelo historiador musical Val Wilmer em 1961.

    "A Love Supreme", que Coltrane dizia ser um "Poema para Deus", seria seu disco mais conhecido -e se tornaria um dos álbuns mais emblemáticos de toda a história do jazz.

    Constante experimentador, Coltrane não parou ali. Até sua morte, aos 40 anos, pouco mais de dois anos depois de "A Love Supreme", seguiu buscando novas maneiras de expressar sua música.

    A extensão da busca pode ser comprovada em "Offering: Live at Temple University", gravação só agora redescoberta, retrato sonoro de Coltrane oito meses antes de morrer.

    Ao vivo, Coltrane mergulha no free jazz espiritual, cantando, batendo no peito, acompanhado de um naipe de percussionistas que conheceu fazendo jams em uma igreja.

    Até hoje um dos instrumentistas mais detalhadamente estudados por outros músicos, Coltrane era dotado de sonoridade própria.

    "O som dele é imediatamente reconhecível até para o ouvido menos treinado, sem familiaridade com o jazz", diz à Folha Ashley Kahn, autor do livro "A Love Supreme - A Criação do Álbum Clássico de John Coltrane" e do ensaio incluído em "Offering" (pelo qual levou Grammy de "Best Album Notes").

    Diferentemente de outros jazzistas (como Miles Davis, por exemplo), o som de Coltrane tem um fraseado mais próximo da fala do que do canto, e em alguns momentos pode apresentar um tom sombrio, como se o ouvinte estivesse presenciando um momento muito íntimo de reflexão (a chave também para o fascínio de Billie Holiday).

    VOZ ROUCA E INTENSA

    Breve e marcante, um elemento presente tanto em "A Love Supreme" quanto no recém-lançado "Offering" é a voz de Coltrane -rouca, intensa, devota.

    Falando sobre isso, o filho do músico, Ravi Coltrane, recentemente comentou: "O sax era apenas uma ferramenta. Sua voz era uma extensão do sax, como o sax era uma extensão da sua voz".

    Para a viúva Alice, com quem Coltrane dividia a fé em um Deus maior que qualquer religião, "é como se ele estivesse dizendo, 'Deus, você deu a todos nós um instrumento'".

    O som de John Coltrane era o som de sua ascensão, musical e espiritual. Para Kahn, "Coltrane sabia o poder da música de inspirar, elevar e transcender -de uma maneira que muitos poderiam considerar uma experiência religiosa, ou espiritual".

    Não à toa, "Spiritual Jazz" hoje é um gênero.

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