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    Crítica: Tommy Lee Jones corrói verniz do western em 'Dívida de Honra'

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    19/03/2015 02h35

    Tommy Lee Jones é um exemplo de grande ator que ao passar para trás das câmeras demonstra ter mais capacidade de invenção do que muitos diretores profissionais.

    Em "Dívida de Honra", seu quarto longa em duas décadas, Jones reaviva um gênero moribundo, o western, com injeções de "road movie" e de filme de dupla, dois subgêneros gestados na longa tradição do faroeste americano.

    Divulgação
    Tim Blake Nelson (esq.) e Tommy Lee Jones em cena de longa
    Tim Blake Nelson (esq.) e Tommy Lee Jones em cena de longa

    A estrada aqui é um território inóspito e pleno de riscos, atravessado numa carroça que leva três mulheres loucas para serem cuidadas por um pastor num local seguro do outro lado da fronteira.

    No comando da jornada estão Mary Bee Cuddy, solteirona com fama de intratável, e George Briggs, marginal que perdeu toda consideração pelos outros. Os papéis, de Hilary Swank e do próprio Jones, oferecem o espetáculo de performances usual quando atores são dirigidos por colegas.

    Mas "Dívida de Honra" logo ultrapassa a condição de show de interpretações para se concentrar numa revisão ácida do gênero e dos valores de heroísmo e dominação consagrados pelo western.

    Para alcançar essa outra margem do rio, o primeiro recurso do filme é transferir seu eixo para a perspectiva feminina, traço incomum num gênero muitas vezes misógino. Mary Bee Cuddy não tem nada de mulherzinha ou de frágil, cuida da própria terra e do gado e encerra sua manifesta necessidade de um marido numa cena de alto impacto.

    Em complemento à autonomia da personagem central, a razão da insanidade das três passageiras se encontra nos abusos masculinos e expressa recusa à exclusiva função biológica de gerar filhos a que foram condenadas.

    Outro procedimento que distingue o filme da tradição está na apresentação da trama. A sucessão de imagens picturais do diretor de fotografia Rodrigo Prieto aparece embaladas pela música adocicada de Marco Beltrami, sugerindo uma calmaria pastoral, um universo no qual homem e natureza parecem coesos.

    A inserção de episódios rápidos e inexplicados de brutalidade provoca distúrbios na primeira impressão e deixa alerta o espectador.

    A combinação dessas escolhas permite ao filme provocar um confronto de imagens que corrói o verniz do western. De um lado, sugere restaurar a visão tradicional e heroica constituída no gênero em sua etapa mítica. Mas logo inocula a sordidez e as violências subjacentes ao idealismo, retomando o que cineastas da estirpe desiludida trouxeram à tona na era do faroeste crepuscular.

    O efeito, misturado a doses extras de mal-estar, eleva "Dívida de Honra" ao patamar dos raros filmes que encantam por incomodar.

    DÍVIDA DE HONRA
    (The Homesman)
    DIREÇÃO Tommy Lee Jones
    ELENCO Tommy Lee Jones, Hilary Swank e Grace Gummer
    PRODUÇÃO Estados Unidos/França, 2014, 16 anos
    QUANDO estreia nesta quinta (19)
    AVALIAÇÃO ótimo

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