Quando as luzes do desfile de verão 2016 da Colcci se apagarem na quarta (15), no parque Cândido Portinari, em São Paulo, Gisele Bündchen encerrará uma história de 20 anos e vários quilômetros de passarelas percorridos.
Tida como a maior modelo de todos os tempos, a gaúcha de 34 anos anunciou no mês passado que essa será sua última apresentação "oficial".
À Folha, em entrevista feita por telefone e por e-mail, Gisele disse, porém, que não descarta apresentações especiais para projetos nos quais tenha interesse e apontou a família como o principal motivo para sua despedida. Seus familiares e amigos acompanharão a apresentação.
Angelo Pastorello | ||
Em 1996, Gisele Bündchen, aos 15 anos, em sessão de fotos próximo ao Mercado Municipal de São Paulo |
Mulher que redefiniu o padrão estético nos anos 1990, a modelo é símbolo de uma vida saudável e diz ver com animação o projeto de lei na França que deve obrigar agências a contratarem garotas saudáveis e com IMC (índice de massa corpórea) ideal.
Leia trechos da entrevista.
Folha - Você já não desfilava com a constância de anos atrás. Por que parar de vez agora? Planejava essa "aposentadoria" há quanto tempo?
Gisele Bündchen - Não é uma aposentadoria, pois vou continuar trabalhando, só não mais na passarela. Além disso, não descarto desfilar, porque já estou neste "business" há 20 anos e agora quero criar espaço para focar em outros projetos e também ficar mais com minha família.
Independentemente do ramo em que atuar no futuro, me vejo trabalhando por toda minha vida. Sempre estou aberta às oportunidades que aparecem, vou deixando a vida fluir. Se for por alguma causa especial, quem sabe adiante ainda venha a desfilar.
Mas por que deixar a passarela, especificamente?
Aprendi a sentir meu corpo. Automaticamente meu corpo fala se o que faço vale a pena, e ele pediu para parar. Eu respeito meu corpo, tenho um privilégio de poder parar.
Ficou cansada?
Não diria cansaço. Não estava ruim, mas olho para minha carreira e já me sinto tão realizada. É um processo gradual de um fim de um ciclo.
A passarela foi o início desse ciclo, onde comecei, aos 14. É um final, sim. Não tem nada nesse meio do desfile que vá me acrescentar algo mais.
Me sinto satisfeita de fechar esse ciclo assim. Não vejo como fazer mais [desfilar] do jeito que estava. Se teu copo está cheio, como você vai enchê-lo ainda mais? Estou esvaziando meu copo para poder encher de outras propostas que tenho para mim.
Que projetos são esses?
Tenho muitos projetos e muitos sonhos e acredito que para conseguir realizar qualquer coisa na vida é preciso foco e determinação. Este é um dos motivos pelo quais também estou deixando de desfilar nas semanas de moda, pois quero ter mais tempo para focar em projetos pessoais. Mas sonhos a gente não conta, a gente trabalha para concretizá-los.
Por que escolheu o Brasil para essa despedida?
Meus primeiros desfiles como profissional foram no Brasil, no antigo Morumbi Fashion [embrião da São Paulo Fashion Week]. Então, achei bacana fazer meu último desfile no meu país, onde tudo começou. A Colcci, além disso, é uma grande parceira minha de anos, acho que é uma forma de prestigiá-los.
Qual foi o desfile mais marcante para a Colcci?
O desfile em que chegava de elevador [em 2007] foi muito marcante, a energia estava muito forte naquele dia. Também quando fiz as fotos da campanha com [o fotógrafo] David Sims em Boston, apenas três semanas após ter o Benjamin [seu primeiro filho, em 2009]. Naquele momento, me sentia completamente outra pessoa, estava vivendo em um ritmo muito diferente. Foi preciso me reencontrar.
Você terá convidados especiais para esse último desfile?
Sim, a minha família estará lá e também alguns amigos e fãs. O importante para mim, neste momento, é ter a minha família ao meu lado.
Qual é a diferença entre a carreira no exterior e aqui, onde sua imagem é trabalhada com marcas mais comerciais?
Trabalho cada território de maneira diferente, com estratégias diferentes. Claro que hoje com a força da internet tudo acaba se espalhando de forma mais rápida. Mas saber dosar o trabalho mais fashion com o lado mais comercial é algo que faço desde cedo.
Destes 20 anos de carreira na moda, qual a foi a maior lição que você aprendeu?
Tive que aprender a lidar com as críticas desde cedo, mas sempre fiz o máximo para focar naquilo que me deixava feliz. À medida que os anos foram passando, aprendi a não levar as coisas para o lado pessoal. Percebi que sempre haverá críticas e julgamentos, mas sempre foquei em dar o meu melhor e com o passar do tempo fiquei mais confiante.
O que está vendo, lendo e ouvindo atualmente?
Amo ler, e a música está no meu dia a dia. Gosto de escutar músicas que me inspirem, como as de meditação do [americano] Krishna Das. Também sou fã do Jack Johnson, da Marisa Monte, do Legião Urbana, do Bob Marley.
Há tempos não consigo ler um livro por inteiro. O último que li foi "Who Am I? Why Am I Here?", da Patricia Diane Cota-Robles. Agora estou aprendendo sobre o desenho humano, é uma técnica incrível para o autoconhecimento.
Você acha que o padrão de garota saudável do final dos anos 1990 se perpetuará? Na França existe um projeto de lei para exigir a contratação de modelos com IMC saudável.
Espero que sim. Não tem nada mais importante que a saúde. É muito diferente falar algo para uma menina de 14 anos e para uma de 34, como eu. A cabeça é outra. Quando entendi que precisava respeitar o tempo do meu corpo, foi a maior descoberta.
Mas acha que a indústria mudará esse padrão excessivamente magro na passarela?
Acho que tudo pode mudar. A mudança é uma constante necessária. Se as pessoas não estão focadas na saúde, sim, sou a favor de mudar.
Gente, não tenho mais tempo, tenho de pegar meu filho na escola. Tenha um lindo dia.