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    Livro de Stephen King com conselhos para escritores iniciantes sai no Brasil

    RAQUEL COZER
    COLUNISTA DA FOLHA

    21/04/2015 02h00

    Stephen King nunca conseguiu gostar de Carrietta White, a protagonista de seu primeiro romance, "Carrie, a Estranha" (1974), que lhe parecia obtusa e passiva demais.

    Desconfortável com a garota, o então professor de inglês do ensino médio, funcionário de lavanderia nas horas vagas, jogou as primeiras páginas no lixo –de onde foram resgatadas pela mulher, Tabitha, que o fez continuar.

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    A noção de que até um autor que viria a se consagrar com obras como "O Iluminado" (1977) e "A Dança da Morte" (1978) pode a princípio não notar o potencial de uma boa ideia levou o norte-americano a postergar por anos seu plano de publicar um livro sobre a escrita.

    "Escritores de ficção não têm entendimento claro sobre o que fazem –por que funciona quando é bom, por que não funciona quando é ruim", escreveu, em 2000, no prefácio de "On Writing", quando levou a ideia a cabo.

    Bruno Klein/Divulgação
    O escritor americano Stephen King durante entrevista em Paris
    O escritor americano Stephen King durante entrevista em Paris

    A obra sai no Brasil 15 anos depois, com o título "Sobre a Escrita" (Suma de Letras). É um misto de memórias e manual de conselhos, dos mais batidos (como "o advérbio não é seu amigo") a outros capazes de causar comichão em alguns escritores (caso de "o editor tem sempre razão").

    Da gênese de "Carrie, a Estranha", King repassa dois aprendizados: a percepção original de um escritor sobre um personagem pode ser tão equivocada quanto a do leitor; e parar uma história só porque é criativamente custosa é uma péssima ideia.

    "Às vezes é preciso perseverar, mesmo quando não se tem vontade, e às vezes você está fazendo um bom trabalho quando parece estar sentado escavando merda."

    CULT

    No intervalo entre a publicação nos Estados Unidos e no Brasil, o livro ganhou admiradores entre escritores que, mal saídos da infância na época do lançamento, hoje começam a ganhar reconhecimento por aqui.

    "Li aos 11, num PDF na tela do computador. Quando comecei a querer 'ser escritora', tinha instintos de como as coisas deviam ser feitas que acho que vieram do livro", diz Luisa Geisler, 23, duas vezes vencedora do Prêmio Sesc ("Contos de Mentira" e "Quiçá") e uma dos "Melhores Jovens Escritores Brasileiros" da revista "Granta".

    "King é bom em mostrar em vez de dizer. Um personagem não diz 'oh, que medo', ele transmite o medo", diz. Apesar de destacar o papel do escritor em sua formação, ela não está certa de que o incluiria entre seus modelos hoje.

    O rigor em "Sobre a Escrita" chegou a preocupar Luisa, que custou a relevar ideias como a do "programa exigente" de quatro a seis horas diárias de leitura e escrita defendido por Stephen King. "Levei muito a sério no começo as horas de escrita, mas tenho outro ritmo", diz ela.

    O autor de policiais Raphael Montes, 24, leu "Sobre a Escrita" enquanto escrevia o primeiro livro, "Suicidas", finalista dos prêmios Benvirá, Machado de Assis e São Paulo de Literatura.

    "King une entretenimento e qualidade literária. Saber como surgiu o mito foi o mais interessante: história de vida, método, escolhas. Vi que era um caminho possível."

    Montes diz concordar com "quase tudo" o que King diz sobre personagens, diálogos, pano de fundo e pesquisa (leia ao lado), mas também esbarrou em alguns critérios.

    King defende a escrita da primeira versão do início ao fim, seguida de semanas sem reler o texto (o próprio autor ironiza o pragmatismo, dizendo para deixar o texto descansar "como uma massa de pão entre uma sova e outra") e só então de correções. "Não consigo fazer assim. Avanço aos poucos, sempre voltando e costurando", diz Montes.

    PIRÂMIDE

    Bastante metódico, King chega a visualizar uma pirâmide na qual se encaixam todos os tipos de escritores.

    Na base, ficam os ruins, e acima deles, os competentes. Outro nível acima (aparentemente onde King se coloca), em número bem menor, os bons; e, no topo, "acima de quase todos nós", os "Shakespeares, Faulkners, Yeatses, Shaws e Eudora Weltys".

    Ilustração Theocracia

    Um escritor que se situe na base nunca chegará a qualquer outro patamar; tampouco um bom se tornará um incrível, argumenta King. Seus conselhos são para os competentes, que com "dedicação e conselhos oportunos" podem vir a ser bons.

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    Habituado a críticas de especialistas, King se defende antes que eles atirem pedras. "Muitos são liberais na política, mas verdadeiras ostras nos campos que escolheram", capazes de "sair às ruas para protestar contra a exclusão" ao mesmo tempo em que consideram a "habilidade de escrever fixa e imutável".

    Uma lista com 180 dicas de leituras aparece ao final do volume, e inclui de Joseph Conrad a J.K. Rowling, passando por John Irving e Cormac McCarthy, todos autores que King admira.

    Ele também sugere aos escritores que percam algum tempo com livros ruins, para aprender "o que não fazer". Dessa leva, escreve King, sem nenhum dó, "romances como 'Asteroid Miners' (ou 'O Vale das Bonecas', 'O Jardim dos Esquecidos' e 'As Pontes de Madison', para citar apenas alguns) valem tanto quanto um semestre em um bom curso de escrita".

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