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    CRÍTICA

    '3 Corações' trata temas gastos com habilidade

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    01/05/2015 02h32

    Bons filmes são os que, em geral, contam uma história original, capaz de surpreender e entusiasmar o público.

    Mas bons também podem ser aqueles cujo prazer vem da habilidade com que manejam temas conhecidos. "3 Corações" é um exemplo.

    Como experiente alquimista, o diretor francês Benoît Jacquot combina elementos conhecidos de melodramas clássicos. "Tarde Demais para Esquecer" (1957), por exemplo, inspira o tema do casal que se conhece ao acaso e se perde também ao acaso. O menos célebre "A Esquina do Pecado" (1932) extraía emoções do reencontro tardio.

    Divulgação
    Cena do filme "3 Corações"
    Cena do filme "3 Corações"

    Jacquot transpõe essas situações para o interior da França contemporânea, mas rebaixa os excessos do sentimentalismo do melodrama com um distanciamento irônico, um poder de observação mais interessado na lógica do que no transbordamento das emoções.

    A situação envolve Marc, fiscal de impostos quarentão que perde o último trem na hora de voltar para casa em Paris ao encerrar uma semana de trabalho numa pequena cidade do interior.

    Num bar, ele é atraído pela entrada de Sylvie. Logo estabelece com ela um jogo de sedução que só se cumpriria na sexta-feira seguinte, num reencontro marcado no romântico cenário parisiense.

    Compromissos de trabalho provocam seu atraso e a promessa amorosa termina em frustração para ambos. Tempos depois, Marc conhece e se apaixona por Sophie, que ele não sabe ser irmã de Sylvie e não demora até ser traído pelo destino.

    Se a trama não traz nada tão diferente do que estamos cansados de ver em novelas, a força que o filme alcança depende do modo como Jacquot suspende e adia os encontros, acelera os acontecimentos para sugerir um destino que foge ao controle.

    Inspirado em filmes como "As Duas Inglesas e o Amor" (1971) ou "A Mulher do Lado" (1981), ambos de François Truffaut, que examinou como poucos a imperfeição dos triângulos amorosos, Jacquot se interessa pela desordem provocada pelo retorno do sentimento reprimido.

    Para alcançar esse resultado, "3 Corações" depende primordialmente de um elenco capaz de equilibrar contenção e desorientação por meio quase só de olhares.

    A combinação de Charlotte Gainsbourg (como Sylvie) e Chiara Mastroianni (Sophie) como irmãs não se baseia na semelhança física, mas na tonalidade da atuação de ambas, o que permite acentuar o efeito de sobreposição de suas personagens.

    Apesar de ter um papel mais decorativo, Catherine Deneuve faz funcionar a ideia de vínculo familiar ao contracenar com Chiara, sua filha.

    Mas é Benoît Poelvoorde, o protagonista, a escolha mais feliz, pois a imagem do ator belga não se confunde com a de galã e essa distância do ideal dispara uma simpatia imediata pelo personagem de homem comum incapaz de se manter no rumo.

    3 CORAÇÕES
    DIREÇÃO: BENOÎT JACQUOT
    ELENCO: BENOÎT POELVOORDE, CHARLOTTE GAINSBOURG
    PRODUÇÃO: FRANÇA, 2014, 14 ANOS
    QUANDO: EM CARTAZ

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