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    De família pobre, adolescente é 1º brasileiro formado na sede do Bolshoi

    FLÁVIA FOREQUE
    DE BRASÍLIA

    06/05/2015 02h00

    Em 2010, quando desembarcou em Moscou para estudar na Escola do Teatro Bolshoi, David Motta Soares enfrentou uma de suas "piores semanas" no país.

    Aos 13 anos, sem falar inglês ou russo, viu-se sozinho em recesso das aulas da renomada companhia de dança.

    "Fiquei sem fazer nada e não conhecia ninguém. Foi um sufoco total. Eu me perguntei durante o ano inteiro: 'O que estou fazendo aqui?'", lembra em entrevista à Folha, por telefone.

    Divulgação
    O bailarino David Motta Soares, 18, que está no balé Bolshoi, em Moscou
    O bailarino David Motta Soares, 18, que está no balé Bolshoi, em Moscou

    Hoje, a dúvida já não passa pela cabeça do rapaz: aos 18 anos, é o primeiro brasileiro a concluir os estudos na sede do Bolshoi e já recebeu o convite para atuar na companhia, a partir de setembro.

    Outros três brasileiros, formados na filial do Brasil, integram atualmente o corpo de baile. "Aqui estamos sempre em contato com os bailarinos do teatro, é uma inspiração para nós. E os professores estão sempre contando história dos bailarinos antigos ou de agora", relata.

    Filho de um guarda municipal e de uma auxiliar de serviços gerais, David ingressou na carreira por acaso, ao acompanhar a prima em uma aula de dança, em Cabo Frio (RJ), sua cidade natal.

    Uma de suas apresentações, registrada em vídeo, chamou a atenção de um olheiro. Após participar de curso de verão no Bolshoi de Nova York, David foi convidado a se mudar para Moscou.

    ROTINA

    A rotina na escola é "pesada", ele reconhece. As aulas começam às 9h e se encerram às 18h –e, a partir desse horário, ainda há ensaios. "Temos uma cobrança muito grande. Eles pedem 100% de você todo dia, toda hora. Não importa se está doente, cansado, se sentindo mal."

    Alunos estrangeiros ainda enfrentam certa resistência dos colegas russos, conta.

    "Há muito ciúme e inveja por estar estudando numa escola estatal russa e ter ganhado tanto espaço. No caso, 'roubado' lugar dos russos. Isso às vezes cria muitos problemas." David foi o único estrangeiro de sua turma selecionado para assinar contrato com o Bolshoi.

    O clima de inveja e competição ganhou destaque na mídia após episódio em que o diretor artístico do balé, Sergei Filin, foi atacado com ácido no rosto, em janeiro de 2013, provocando queimaduras de terceiro grau e prejudicando sua visão.

    Três pessoas foram condenadas, entre elas Pavel Dmitrichenko, um bailarino do Bolshoi insatisfeito por Filin ter preterido sua namorada, também bailarina, para o papel principal em encenação de "O Lago dos Cisnes".

    David avalia que esse foi um caso "extremo", mas reconhece que a situação "preocupa um pouco". "A gente nunca sabe a decisão que outra pessoa pode tomar."

    DESPESAS

    Sem recursos para se manter no exterior, David tem as despesas custeadas pelo Itamaraty (que dá ao bailarino uma bolsa de US$ 1.600 mensais) e recebe ajuda de uma ex-professora, Regina Corvello. "Ele é uma pessoa muito disciplinada, inteligente, e se você faz uma correção, acata. Isso o faz crescer", afirma.

    Por ora, David não tem planos de voltar ao Brasil. Para ele, o país ainda é "muito difícil" para um bailarino.

    "Uma vez, fui reconhecido na rua por uma senhora que me viu dançando no teatro. Ela me agradeceu por eu ter dançado e fiquei pensando: no Brasil isso nunca iria acontecer, só se uma pessoa estivesse jogando futebol. No Brasil, arte é só futebol."

    O jovem bailarino prefere não fazer planos para o futuro. O foco, agora, é se dedicar aos ensaios da companhia, a partir do segundo semestre. "Balé é sorte, é a pessoa certa te ver no momento certo, dançando a dança certa. E é muito trabalho", resume.

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