Em 1969, escrevi um texto para o "Suplemento Literário Minas Gerais", com o título "A propósito de 'Lucia McCartney'", em que dizia que Rubem Fonseca vinha para inovar e que a literatura brasileira estava cansada do provincianismo de Curitiba, numa referência a Dalton Trevisan.
Naquele tempo eu ainda não tinha sacado o Dalton. Ele era mais antigo na praça, e eu o considerava um contista ultrapassado com essas histórias de joões e marias, sempre os mesmos temas, enquanto o Rubem trazia coisas novas, um urbano que ninguém fazia, com a qualidade que ele fazia e a virulência que ele trazia.
Só algum tempo depois entendi que o negócio do Dalton era uma invenção de linguagem total, que ele havia transformado o conto num contexto até internacional. Aquele formato que ele emprega, do texto curtinho, com uma economia total de meios e uma verve incrível, aquilo é único.
Encontrei-o uma única vez, no início dos anos 1970, já no Rio, na sede da editora Civilização Brasileira.
Daniel Marenco/Folhapress | ||
Retrato do escritor Sérgio Sant'Anna, 72, em sua residencia, em Laranjeiras, Rio de Janeiro. |
Não tive coragem de falar com ele, por medo de ele estar bravo com meu texto de anos antes para o "Suplemento Literário", do qual eu já tinha me arrependido muito.
De todo modo, reparei num detalhe bem "trevisânico": ele usava um sapato de cordão preto, calça social e uma meia até a canela. Estava muito engomadinho para os padrões do Rio. Na obra dele existem muitos detalhes curiosos como esse, que valem por um personagem inteiro.
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Com o Rubem tive mais contato. Mandei livros para ele, inclusive o meu primeiro, "O Sobrevivente" (1969), e ele respondeu com uma carta, como viria a acontecer nos livros seguintes, ele sempre muito generoso.
Rubem Fonseca abriu um campo na literatura brasileira. É um escritor excelente, embora a maior força de sua obra esteja naquele começo. Dele, estou lendo o recém-lançado "Histórias Curtas", bastante original. Há no livro uma certa "nonchalance" que me agrada muito, como se o autor não estivesse nem aí.
Dalton Trevisan, ao contrário do que pensei inicialmente, é novíssimo até hoje, um autor de primeiro time, o maior escritor brasileiro vivo.
SÉRGIO SANT'ANNA, 73, é escritor, autor de "O Concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro" e "O Voo da Madrugada", entre outros. Depoimento extraído de entrevistas a Marco Rodrigo Almeida e Raquel Cozer.