Cauby Peixoto, 84, espirra, e voa longe o alfinete que prendia na barriga o colete do terno predileto –prateado, com brilhantes e gravata borboleta, um presente do amigo Reinaldo Kherlakian, cantor e herdeiro da galeria Pagé.
À frente de um quadro seu aos 17 anos, o artista revela que engordou. Quilos bem-vindos, após uma "descompensação na diabetes" o acamar por três semanas num hospital em São Paulo, em março.
Na época, o boato de sua morte grudou com a força do fixador da peruca que ele usa desde os anos 1980, quando a famosa cabeleira começou a rarear. Cauby ri. Fez exames recentemente, e o médico –seu fã– é que agradeceu. Estavam ótimos, garante. "Não tenho problema, não, tô na ativa", diz, encerrando o assunto em poucas palavras.
Cauby precisa de ajuda para andar, escuta pouco, fala menos ainda, e quando fala divaga. Prefere cantar. "Às vezes ouço minha voz e ela é perfeita. Sou muito afinado."
"Já falei de 'Cauby Moderno'?", diz, lembrando pela terceira vez do álbum "de Bossa Nova jazzística" que planeja para o fim do ano –cantarola "Arrastão" (consagrada por Elis Regina), no repertório. Há ainda "Cauby Sings Nat King Cole", CD que lança nas próximas semanas. Conheceu o americano ao tentar carreira nos EUA, nos anos 1950. "Ron Coby", o nome artístico adotado, não vingou por lá.
Marcou para segunda (25) o retorno ao Bar Brahma, após cinco meses de recesso –alguma coisa acontece em seu coração com ponte de safena desde que começou a cantar naquela esquina das avenidas Ipiranga e São João, em 2004.
Na próxima quinta (28), estreia nos cinemas o documentário "Cauby –Começaria Tudo Outra Vez", de Nelson Hoineff. E Diogo Vilela retomará "Cauby! Cauby!" em 2016. O musical de 2006 lhe rendeu o prêmio Shell de interpretação. Em cena, Vilela recria trejeitos como o abanar do lenço (adotado porque suava demais). "Ele deveria ser reconhecido como nosso Sinatra. É o último dos românticos", diz o ator.
E o primeiro dos roqueiros. Em 1957, gravou uma das primeiras músicas 100% brasileira do gênero, "Rock 'n' Roll em Copacabana", de Miguel Gustavo (que depois comporia o hino ufanista "Pra Frente Brasil"). "Quero ver qual é o primeiro que esta dança vai alucinar/ E continua a garotada, na calça a se desabafar", relembra o cantor.
"Eu modernizava as músicas", diz Cauby. Fã de frango ao molho pardo, almoça sempre com a amiga Angela Maria, 86, e os dois tecem loas à longínqua Era do Rádio.
Cauby, que diz não ter ideia do que seja funk, hoje prefere o ontem. "Acho [que a música] não mudou para melhor, não. Está muito comercial, sem brilho, sem beleza."
TRUQUES E JABÁS
Ele não afastou a cortina de veludo vermelho da janela para testemunhar o panelaço que vizinhos de seu apartamento em Higienópolis fizeram contra Dilma Rousseff, semanas atrás. Sobre a presidente, limita-se a dizer: "Estou com o povo, com a maioria".
Sempre esteve. Para isso, usou vários artifícios armados pelo empresário Edson Di Veras (1914-2005). Meteu-se com política uma única vez: no dia em que Getúlio Vargas se matou, 24/8/1954, a dupla levou discos de acetato com "Blue Gardênia" ("Flor da recordação/ Que se desfolhou no coração") para as rádios tocarem nos intervalos do noticiário. A música estourou.
Di Veras o convenceu a trocar os dentes, considerados horríveis, por prótese. Fez um seguro milionário para sua voz. Criou o slogan "Cauby canta, as meninas desmaiam" –o que era "mise en scène".
O empresário contou a Rodrigo Faour, autor da biografia "Bastidores" (Record, 2001), que encomendou um terno mal alinhavado que fosse rasgado pelas fãs do artista. Foi em 1957, para não fazer feio quando a revista "Time" publicou uma reportagem com o "Elvis brasileiro".
"Quando começaram a duvidar de sua masculinidade, Cauby posava lutando jiu-jítsu nas revistas", diz Faour. Em 1988, o cantor disse no programa "Roda Viva", após uma borboleta invadir o estúdio: "Já fui muito promíscuo. Quando garoto, transei com porca, galinha, papagaio".
Mas nunca assumiu relacionamentos em público. A empresária Nancy Lara, 67 –fã que sempre lhe dava flores amarelas nos shows– cuida dele, que de família viva tem a irmã Andiara, nonagenária.
Dono de mais de 60 ternos, Cauby mantém o manual de moda "Chic", de Glória Kalil, na mesa da sala –também adornada por dois dragões chineses, pilastras gregas, vasos com flor de plástico e o livro "História Sexual da MPB".
Em 2001, afirmou à Folha: "Ruim é não falarem da gente, é o ostracismo". Em 2015, canta "Bastidores", que Chico Buarque compôs para ele em 1980: "Com muitos brilhos me vesti/ Depois me pintei, me pintei". E arremata: "Eu gosto de brilho. Gosto muito".