Quando concluiu "A Capital da Solidão", em 2003, considerado por muitos o melhor livro já feito sobre a São Paulo colonial, de 1530 a 1900, o jornalista Roberto Pompeu de Toledo estava determinado a não estender a minuciosa pesquisa ao século 20.
"Não queria virar um autor monotemático", explica. "Comecei a buscar outro tema."
Mas São Paulo passou a perna em Pompeu, colunista da revista "Veja", como fez com as outras oito cidades brasileiras que, no final do século 19, eram maiores, mais densas e importantes que ela, e tomou a dianteira.
Nascia, ali, "A Capital da Vertigem - Uma História de São Paulo de 1900 a 1954", que consagra Pompeu como um dos principais historiadores da cidade.
Ao longo das 584 páginas do volume, a capital da solidão –uma vila isolada, modorrenta e desimportante– se converte em metrópole fervilhante e hegemônica.
A riqueza se multiplica como as chaminés das fábricas; as oligarquias dominam, com as mineiras, o poder político, enquanto o modernismo esboça uma identidade cultural genuinamente brasileira e um projeto de país, ditado a partir de São Paulo.
É como se o tempo estivesse em aceleração, tamanha a concentração das mudanças, o que ajuda a explicar os superlativos que, desde então, acompanham a cidade, bem como a ideologia do trabalho que marcaria o imaginário sobre os paulistanos.
"Nada se contentava em ser o maior e melhor do Brasil; tinha que ser da América do Sul – o que implicava engolir Buenos Aires– ou, de preferência, da América Latina, levando de roldão a Cidade do México", escreve.
PARIS, CHICAGO E NY
"A súbita riqueza da cidade rasgou horizontes sem limites na cabeça das pessoas", conta Pompeu.
Assim, onipotente, São Paulo sonhou ser Paris quando começaram as obras do Theatro Municipal, em 1906, e a reforma do vale do Anhangabaú, local de "pobreza agreste", com restos de plantações que deram lugar a um belo jardim de esculturas, concluído em 1918.
Sonhou também em ser Chicago, quando os primeiros edifícios –como o Sampaio Moreira, inaugurado em 1924– mudaram a paisagem. E forjou ser Nova York, quando seu primeiro arranha-céu, o edifício Banespa, foi projetado, em 1939, à semelhança do Empire State Building.
"Éramos infelizes e não sabíamos, porque ninguém tinha avisado que isso aqui era Terceiro Mundo e havia uma divisão dificílima de romper."
"A Capital da Vertigem" retrata a idade de ouro da cidade em narrativa livre, repleta de detalhes, como se fosse possível remontar o cheiro das ruas e dos salões ou a presença de seus personagens.
Entre eles, se destacam o conselheiro Antônio Prado (1840-1929), primeiro prefeito da cidade, o escritor Mário de Andrade (1893-1945), autor do livro que é "corrente sanguínea" da literatura brasileira, "Macunaíma", e o industrial e mecenas Ciccillo Matarazzo (1898-1977) –que, apenas no período do livro, criou o Masp e a Bienal de São Paulo.
Mas é no desfile de fatos e personagens notáveis, entre os pouco conhecidos e os anônimos, que reside boa parte do prazer dessa leitura.
É assim que o colunista social Jerry, do jornal "Folha da Manhã", codinome de Cornélio Procópio, protagoniza um capítulo inteiro do livro, baseado em suas crônicas sobre os hábitos da elite paulista.
"O segredo está nos detalhes", diz Pompeu. "Contar a grande história é muito chato se você não descer ao nível pedestre, ao rés do chão. É aí que fica interessante."
A Capital da Vertigem |
Roberto Pompeu de Toledo |
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O livro de Pompeu é dividido em três partes de acordo com a curva de crescimento da população da cidade, de 240 mil a 2,8 milhões de habitantes, um incremento de mais de 1.000% em 54 anos.
De lá para cá, o crescimento foi de 325% até chegarmos aos 11,9 milhões de paulistanos em 2014, segundo o IBGE.
Em que ponto a urbanização da cidade desandou?
"A partir dos anos 1960, a preocupação estética desapareceu, o utilitarismo venceu e o automóvel ganhou domínio absoluto", diz Pompeu.
Num cenário tão distante do descritos em seus livros, qual é a São Paulo do autor? "Hoje, mal saio de Higienópolis", confessa. "Mas gosto muito de certos recantos do centro. Cansei de dizer que são Paulo é feia. Até porque, hoje, muita gente também diz isso."