É possível apontar inúmeros atributos desta montagem de "A Vida de Galileu" sob direção de Cibele Forjaz, que tem Denise Fraga no elenco e texto de Bertolt Brecht (1898-1956) rebatizado "Galileu Galilei", tal qual a montagem que Zé Celso assinou ao lado de seu Teatro Oficina em 1968.
Mas há uma qualidade em especial. Durante o espetáculo, seus dez intérpretes parecem se divertir sobremaneira em cena, em um trabalho fiel ao espírito do autor: Brecht foi um notório defensor do teatro como meio para debater temas éticos sem abrir mão do palco como espaço para o entretenimento.
A história de Galileu, italiano que, no século 17, defendeu o heliocentrismo e teve de abjurar para não ser queimado pela Inquisição, ocupa o palco do Tuca como uma festa popular e com forte coloração de Carnaval.
Cria-se nesta montagem uma oportuna ponte temporal, espécie de homenagem aos dez férteis anos do teatro brasileiro compreendidos entre 1968 e 1978.
Em 1968, no agravamento da ditadura militar, "Galileu Galilei" reiterou a ousadia formal que a peça "O Rei da Vela" havia proposto um ano antes com texto de Oswald de Andrade, ambas no teatro Oficina. O posicionamento do Galileu de Zé Celso era óbvio: uma peça originalmente escrita no período de ascensão dos nazistas apontava os militares neste lugar equivocado, de guardiões da estabilidade.
Em 1978, um ano antes da anistia portanto, Antunes Filho fez "Macunaíma", marco do teatro contemporâneo, adaptação para o livro de Mário de Andrade. E eis que o figurino feito com jornais para a histórica montagem de Antunes retorna agora à encenação de Forjaz, ainda que em uma cena breve.
Alegórica, a peça volta-se portanto à vontade política modernista, sem o acanhamento de propor-se panfletária no bom sentido, e aqui o que se impõe é propor a coragem de reconhecer a verdade. Não só o fato de que a Terra gira em torno do Sol, qualquer verdade basta, pode ser em casa ou no escritório.
Se a religião tentou cortar as asinhas de Galileu no século 17, agora é a vez também de procurar aquilo que nos poda outros voos. A representação de um panelaço, com intérpretes vestindo perucas loiras, ocupa o palco como posicionamento sem rodeios, com risco de mal-estar naquele coração de Perdizes, um bairro paulistano que teve forte adesão ao movimento.
O elenco é afiadíssimo. Jackie Obrigon e Ary França destacam-se pelo carisma nas cenas em que protagonizam esse verdadeiro desfile de figuras aprisionadas por contratos de esterilidade, síndrome simbolicamente atribuída, nesta versão, ao atual ambiente imposto por grandes corporações.
É bom lembrar que o teatro Tuca fica ali bem na Pontifícia Universidade Católica, onde seria erguida uma cátedra ao filósofo Michel Foulcaut (1926-1984), negada recentemente pelo cardeal Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo e grão-chanceler da universidade. Galileu não envelhece, né?
GALILEU GALILEI
QUANDO sex. e sáb, às 21h; dom., às 19h; até 30/8
ONDE Tuca, r. Monte Alegre, 1.024, tel. (11) 3670-8455
QUANTO R$ 50 a R$ 70
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo